Tuesday, October 31, 2006

Sequestro em Copacabana – Oliver Dell’Anno

Sobre o quê: Uma família carioca acostumada com a vida no subúrbio muda-se pra zona sul. Na primeira noite, a filha de 16 anos não aparece em casa e todos começam a viver a possibilidade de um seqüestro.

Crítica: Estranho. Engraçado e estranho também. Podia resumir tudo que tenho pra dizer com esses dois adjetivos, mas serei um pouco mais prolixa. O que me levou a escolher um livro de suspense com personagens cariocas e autor americano? Só pode ter sido porque eu gosto de coisas estranhas. Ou melhor. Gosto de coisas diferentes. Não dá pra negar que a gente não espera que um americano escreva um livro onde o personagem principal é o delegado Biguá, não é? Claro, na orelha estava escrito que o autor viveu muitos anos no Brasil, etc e tal. Senti que minha curiosidade seria substituída pela decepção ( sempre espero que o diferente seja melhor) ao ler as primeiras páginas. Não sei se é o primeiro livro do autor, mas a gente nota que o texto nos pede licença antes de falar, pensei que podia ser por educação, costume de escrever em outra língua ou puro amadorismo mesmo. Amadorismo pode ser ruim ou bom, o amador faz por amor, mas aqui o amor do autor pelas palavras não teve um final muito feliz.
Esquecendo o fato de que alguns diálogos soam estranhos, a própria história tem falhas que começam no título do livro. O seqüestro não é em Copacabana, sim em Ipanema. Se algum revisor não reparou nisso, imagine se ia reparar em várias comidas de mosca do livro.
Há um personagem que mora na barra num capítulo e depois aparece morando no Grajaú sem nunca ter se mudado. Outro chama um colega de trabalho, do mesmo nível e mesma idade, de senhor. O patrão é mais pobre que os empregados. Ah, um festival de moscas.
Agora que já expliquei mais ou menos o estranho vou pro engraçado, que também não deixa de ser esquisito. Tudo isso não faz de “seqüestro em Copacabana” um livro ruim. Ri-se e muito com as falas do delegado biguá e as situações inverossímeis. O ritmo do texto é intenso, obriga a gente a segurar nos trancos e barrancos lingüísticos e seguir em frente. O final é legal. Isso aí. Legal.
Pena que o sinal parece que tocou antes do autor acabar a prova e ele foi obrigado a entregar assim mesmo. O delegado biguá, pelo menos, merecia uma segunda chance.

Gisela Cesario

Friday, October 06, 2006

O homem que colecionava manhãs – Liberato Vieira da Cunha

Sobre o quê: Alberto é um funcionário público que ganha um extra escrevendo cartas para quem é analfabeto ou precisa de ajuda com as palavras. Descedente de família rica, mas vivendo humildemente numa pensão, ele tenta fazer as pazes com o passado que tanto o transformou. Escrever é também seu passatempo.

Crítica: Se eu fosse uma pessoa justa, ia usar esse espaço para agradecer e não somente para elogiar. Eu começaria assim:
Prezado Sr Liberato;
Obrigada por ter escrito “O Homem que colecionava manhãs.” Eu o encontrei na livraria que tem o critério de organização mais caótico do universo. Seu romance estava entre um livro de direito internacional e outro de culinária. Não pretendia comprar nada. Estava apenas divagando sobre o caos daquela livraria e da minha própria vida quando vi seu livro. Comprei porque gostei do resumo da orelha, das primeiras linhas e do fato de ter uma personagem chamda Gisa, meu apelido de infância.
Já pelas páginas iniciais percebi que seria um daqueles que leio com pena. Cada página é uma a menos, quando percebo que li muito me obrigo a parar, se quiser uma metafóra pra essa maluquice pode chamar sexo tântrico literário. Adia-se ao máximo o final, mas não para intensificar o prazer e sim para prorrogá-lo. Queria poder ficar lendo “ O homem que colecionava manhãs” pra sempre.
Amoral como um Rubem Fonseca, delicado como um Drummond, informal como um Marcelo Rubens Paiva, Alberto é um escritor fascinante. Escritor de cartas pros outros e para ele mesmo, seu hábito de relatar suas experiências e pensamentos a cada dia me recordou como era bom fazer isso, por que parei? Parei por quê? Não importa. Recomecei. Também por isso, agradeço, tanto ao Alberto quanto ao Liberato.
Sua obra tem o ritmo certo, calmo, mas longe de ser monotóno. Para me conquistar de vez, ainda teve crime, assassino, delegado, suspense .
Para os meus eventualíssimos leitores, acho que não precisa dizer se gostei.
Ah, obrigada Liberato, por misturar tudo que eu adoro num livro e ainda fazer dar tão incrivelmente certo.
Sei que não foi pra mim.
Mas não será tudo que é escrito sempre para alguém que não se conhece?
Mesmo que esse alguém seja uma parte de nós mesmos?
Um Alberto de Liberato, uma Gisa de Gisela.
Obrigada por esse lado seu, que também é meu e de todos nós. Que torna escrever mais hábito e menos vício.
Que nos torna todos menos responsáveis por nossas desgraças e mais personagens de um grande projeto de Deus.
Obrigada pela esperança de que esse projeto talvez dê certo.
Se não essa noite, talvez em uma das muitas manhãs que, todos nós, escritores/sonhadores, insistimos em colecionar.
Obrigada finalmente por me dar coragem para escrever essa crítica exatamente como ela devia ser: em forma de agradecimento.

Gisela Cesario

Tuesday, September 19, 2006

O homem dos círculos azuis - Fred Vargas

Sobre o quê: Uma série de objetos começa a aparecer dentro de círculos azuis nas calçadas de Paris. Junto com cada círculo, uma frase: “O bento, seu azarento, na rua com esse vento?”. Isso deixa de parecer brincadeira quando cadáveres passam a substituir os objetos dentro dos círculos. Desvendar esse mistério é o trabalho de um peculiar delegado e seu inspetor alcoólatra que serão ainda ajudados, ou atrapalhados, por uma oceonográfa metida a detetive e um cego mal-humorado.

Crítica: Como diria o cego personagem do livro, há muito não vejo com bons olhos essa coleção de mistério da Companhia das Letras. Pode-se dizer que é terrivelmente heterogênea, tem grandes porcarias e grandes mistérios. Ainda bem, esse se encaixa no segundo caso. E foi justamente o cego, mal humorado e engraçado, que me guiou pelo livro adentro.
Primeiro são apresentados ele e a oceanógrafa, num diálogo tão bem trabalhado que fica difícil não continuar lendo e se surpreender ao descobrir que eles não são as personagens principais. Não. Ainda falta conhecer o delegado Adamsberg, seu assistente Danglard e mais algumas pessoas. Surpresa novamente, eles são ainda mais fascinantes que as personagens iniciais. E a trama é digna de todos. Um mistério bem delineado, com o lápis azul do homem dos círculos e a incrível mente de Fred Vargas, autora que eu não conhecia.
Além de adorar suspense, tenho uma queda por metáforas. E pra esse romance, vai a do avião. Você ouve o aviso de apertar o cinto, sente a aeronave deslizar suavemente, fica esperando o baque, mas ele não vem, quando você percebe, está voando, olha pela janela e lá estão as nuvens abrindo caminho pra esse avião que você nem sentiu decolar. Aí você espera o momento de ficar entediada, de pensar no serviço de bordo, de folear aquela revista chata da poltrona, mas por algum motivo você não conseguiu ainda desgrudar da janela. As nuvens podem ser interessantes? Você não sabia que eram tantos formatos, nunca tinha reparado nos buracos que a luz do sol faz, e as cores, é desconcertante ver como as cores ficam difusas e bonitas. Mas o que? Você não acredita no que está ouvindo? Outro aviso de apertar os cintos? Já? Você não percebeu novamente, o avião pousou devargarzinho, as nuvens estão lá em cima, você desliza no chão. A viagem ficou pra trás e deixou aquela saudade imensa mesmo antes de ter terminado. O consolo pra essa saudade é o mesmo de sempre. A próxima viagem.
Um livro primoroso, como esse de Fred Vargas, merece ser pensado assim. Logo, logo, em outra prateleira, em outra livraria, talvez pela mesma Companhia de Letras, Fred Vargas vai me encontrar de novo com um cartão de embarque, porque a esperança é de que seu texto me leve não somente a outra viagem, mas a outro vôo absolutamente perfeito.

Gisela Cesario

Thursday, August 24, 2006

Amanhã numa boa - Faiza Guène

Sobre o quê – O diário de uma adolescente marroquina que vive com a mãe num bairro pobre de Paris. Os protestos políticos com o tema da imigração são apenas o cenário desse relato que fala do cotidiano da menina, com idas a escola, supermercado e festas.

Crítica – Quando eu era criança, achava o máximo alguém ter lido o diário de Anne Frank, mais máximo ainda era ser a Anne Frank, escrever um relato pessoal da Guerra e fazer com que a sua visão pessoal interessasse a alguém. Acho que existem duas explicações para isso: a primeira é que algumas pessoas ficam tão obcecadas com o assunto que querem saber mais do que o que está no noticiário e em todos os editorais do mundo. A segunda é que algumas pessoas não acreditam no noticiário e querem ouvir ou ler o depoimento de alguém que não está sendo pago pra falar.

Como não me encaixo em nenhum dos dois grupos, fiquei meio em dúvida se estava diante de outra anne frank e se valia a pena ler “amanhã, numa boa”. Fiz o meu teste de ler as primeiras páginas e Faiza passou com louvor. É um texto gostoso e leve. Se ela leva a gente a uma periferia na França, parece que estamos indo de bicicleta num dia de sol ameno e sentindo uma brisa fresca no rosto. Achei também que não faria mal a minha ignorância saber um pouco sobre a realidade desses imigrantes.

Posso garantir que a minha ignorância só melhorou um pouquinho, em compensação meu humor melhorou muito.

Eu tinha esquecido que o mundo de uma adolescente é tudo menos o mundo real. A gente vive a vida da TV, a vida do vizinho, do sonho, das músicas que tocam no rádio, tudo menos a realidade. Se alguém me perguntar o que eu fazia no plano collor, não terei nenhuma recordação profundamente política, provavelmente vou me lembrar que faltei à aula e fui ao shopping gastar o que sobrou da poupança do meu pai.

Foi mais ou menos isso que a adolescente do livro fez durante os fervorosos acontecimentos parisienses, não foi ao shopping, mas permaneceu do impenetrável e encantado universo no qual só os menores habitam. Só de vez em quando a realidade entra por aquele buraquinho entre o primeiro beijo e a novela. Quando isso acontece, a autora nos mostra um olhar puro, apolítico, de alguém tão imparcial que não toma partido nem de si mesma.

Não sei se isso se chama inocência, magia ou adolescência. Mas nesse caso, podemos chamar de ótima literatura. Ou, como diria a personagem, literatura numa boa.

Gisela Cesario

Wednesday, August 02, 2006

A morte é um número par - Alan Luxardo

Sobre o quê – Barone é um delegado gostosão que, entre um mergulho na piscina e outro, investiga um crime, entre uma namorada e outra, desvenda um mistério e, entre um filme de ação de outro, lê Agatha Christie.

Crítica: Uma vez escrevi um artigo sobre a incapacidade de os clientes acreditarem que um anúncio bonito vende, calma, não fiquei louca, vou chegar lá. Isso tem a ver com a incapacidade humana de acreditar que no que parece “bom demais pra ser verdade”. Um anúncio bonito e inteligente não pode ser vendedor. Assim como o gatão italiano delegado solteiro com um sorriso lindo na orelha do livro não pode ter escrito um bom suspense. Mas a vida, como eu vivo comprovando, não é equilibrada. As piores coisas desse mundo acontecem com quem já está na maior pindaíba. Enquanto isso, dinheiro chama dinheiro, rico ri à toa e Alan Luxardo não só é um escritor muito bom, mas também é muito, mas muito bom escritor.
Se eu fosse uma centopéia, teria começado a ler com 99 pés atrás, era o primeiro livro dele, era um policial escrito por um policial e o título era esquisito. O texto não é poético, como diriam coleguinhas críticos, não é uma prosa elaborada, às vezes é até meio cru, ouve-se o barulho do motor acelerando antes de o carro esquentar, mas depois que ele esquenta, dane-se a prosa, dane-se a poesia, o que a gente quer saber é quem foi o assassino.
E o que, nesse mundo desequilibrado de Meu Deus, pode ser melhor do que um livro de suspense que deixa a gente morrendo de curiosidade? Cheguei a pensar nisso várias vezes durante o dia, pensei dirigindo, pensei tomando banho, era como se fosse um problema de verdade. Desde Agatha Christie não ficava tão curiosa. ( Ah, claro que também sou fã.)
É um suspense conciso, perfeitamente amarrado e energicamente narrado. Como se fosse um filme de ação mas com o cuidado que os bons mistérios devem ter, fatos logicamente desencadeados, como uma equação matemática, você faz a prova dos nove e tudo bate.
Além disso, Barone, cuja descrição faz a gente pensar num cara ridículo pelo simples fato de ser brasileiro, está longe de ser ridículo. Barone poderia entrar num filme de 007 e deixar o Bond morrendo de inveja. Ele tem aquela mágica de conseguir ser tudo, inclusive verossímil. Acho que vai virar filme, mas eu espero mesmo é a próxima aventura do delegado Barone. Só não sei se esse Barone é páreo pra um outro delegado, um tal de Alan Luxardo.

Gisela Cesario

Wednesday, July 26, 2006

Pergunte ao pó - Jonh Fante

Sobre o quê: Sonhando em ser escritor, Arturo Bandini, americano do Colorado e descendente de italianos, vive num hotel decadente de Los Angeles. Enquanto tenta escrever um conto que lhe garanta pagar o aluguel ou o grande livro que lhe tornará famoso, se apaixona por uma garconete mexicana e faz tudo que pode, inclusive escrever, para conquistá-la. ( O pó tem a ver com a poeira do deserto de los angeles, não é sobre cocaína).

Crítica: Bukosvky já escreveu sobre esse livro. Artur Dapieve já escreveu sobre esse livro. Tenho certeza que milhares de outras pessoas importantes também. Agora chegou a minha humilde vez. Como não tenho leitores, posso dizer o que quiser e não me sinto nem um pouco na obrigação de concordar com gente inteligente e conhecida. Até torci secretamente pra achar o livro uma porcaria e acabar com essa ditadura de Jonh Fante. Mas vou ter que repetir aqui as mesmas coisas que já li em todas as críticas como uma simples maria vai com as outras.
Talvez a única grande diferença é que todos os outros críticos se apaixonaram pela garconete mexicana e eu me apaixonei mesmo pelo Arturo Bandini. Como não se apaixonar? Como não ter vontade de ser garçonete e mexicana?
De início, o personagem de Jonh Fante faz com que todos os escritores se identifiquem com ele, quem já é famoso e quem já pensou em ser (isso, claro, inclui todos). Depois, faz com que todos que já sonharam desperamente conseguir alguma coisa se identifiquem com ele. Finalmente faz com que todos que se apaixonaram por alguém, só de olhar pra essa pessoa, se identifiquem com ele. Portanto, se você não se identificar com ele não significa que você não é parecido com o Bukovisky, significa que não é desse planeta. E só pra dar a impressão que ele está falando diretamente com quem nasceu aqui ou outro lugar diferente de Los Angeles, ele ainda faz com que todos que já imaginaram uma vida em holywood se idenfiquem com ele. Desde nós, rélis tupiniquins, até os caipiras dos EUA.
Claro, ainda tem a história de amor dele com a mexicana. Uma história que, como a maioria das histórias de amor, acontece mais na cabeça de quem ama do que na realidade mesmo.
Ler John Fante é passar um tempo nessa cabeça que ama sem retorno, que quer ser escritor, que gasta todo dinheiro que ganha e se imagina muito famoso e passa situações de fazer rir e chorar ao mesmo tempo.
Um mundo fascinante, no qual todos nós vivemos todos os dias, mas parece que só descobrimos depois de ler “Pergunte ao pó”.

Gisela Cesario

Tuesday, June 27, 2006

Mémorias de Minhas Putas Tristes – Gabriel Garcia Marques

Sobre o quê: Um dia antes de completar 90 anos, um jornalista solteirão decide que seu presente de aniversário deverá ser uma virgem e, para isso, recorre a uma velha amiga cafetina. E o que parecia ser o final de uma vida se torna o início de um grande amor.

Crítica: Como diria Odorico Paraguaçu, é com a alma lavada e enxaguada que confesso: nunca havia lido Gabriel Garcia Marques. E, no entanto, suas palavras me soaram como se estivesse conversando com um velho amigo. E não um amigo qualquer, um amigo estilo Rubem Fonseca. Não é à toa que dizem que os livros são os melhores amigos. Pois esse me mostrou uns pedacinhos da Colômbia, falou de uns lugares que só vejo nos anúncios de roteiros turísticos.Como sempre, a gente fica impressionada como o Brasil se parece com outros países do terceiro mundo, acho que os Brasileiros imaginam que seu país é único. Mas, deixando de lado os entrementes e indo direto aos finalmentes para continuar no estilo do Odorico, o livro é uma linda história de amor. Um romance disfarçado de pseudo-biografia. Usando o flashback, o velho personagem fala de sua loucura ao completar 90 anos, querer uma virgem. As coisas não acontecem como deveriam ( ou nesse caso, acontecem exatamente como deveriam) e a relação não se consuma, os dois somente dormem juntos. E aí sim vem o inesperado: o primeiro amor de um senhor de 90 anos. Uma paixão que se resume em dormir ao lado da amada, ele não quer ouvir sua voz, não quer saber sobre a vida dela, seu fetiche é ouvir a respiração da menina, vê-la ressonar, imagina-la um anjo talvez. Não são todos os que amam meio loucos? Não preferem sempre a ilusão à realidade? Ao contar a história desse primeiro amor, ele relembra todos os seus casos, as mulheres que sempre teve e nunca amou, comparando com aquela que nunca teve e ama desesperadamente. As outras, as putas, são tristes. A virgem é a que traz felicidade, angústia, ciúme e todos os sentimentos misturados que o sentimento do amor provoca. E o autor vai contando tudo isso tão rápido que a gente nem vê as páginas passando e com uma prosa tão bonita que parece até poesia. Não vou contar o fim do livro. Só posso dizer uma coisa sobre o fim: ele chega muito rápido. Não vejo a hora de me reencontrar com esse novo amigo, Gabriel Garcia Marques, em outro livro. Com certeza, tive imenso prazer em lhe conhecer.

Gisela Cesario

Friday, June 02, 2006

O intocável - Jonh Banville

Sobre o quê: Victor Maskell era um homem respeitado na Inglaterra, tinha até um título de cavaleiro das artes, concedido pela rainha. Ele perde tudo isso quando sua identidade de espião é revelada. Durante mais de 20 anos, Victor levou uma vida dupla, de agente russo e homossexual. Publicamente humilhado, ele resolve nos contar suas memórias.

Crítica: Empatia não se dá só entre pessoas. Cada vez acredito mais que exista essa força, essa troca de energias também entre pessoas e objetos, mais especificamente os livros. Isso deve explicar porque o meu fascínio inicial por esse livro, O intocável. Porém, cada vez que constatava sobre o quê era a história, desistia de ler. Imaginei que fosse um relato político, chatíssimo. Finalmente, decidi que ia tentar de qualquer jeito. E mais uma vez vi que nossa intuição sabe muito mais do que a razão.
A vida de Victor Maskell tem muitos ingredientes para ser fascinante. Um irlandês extremamente sensível e inteligente consegue ocupar altos cargos em meios fechados da Inglaterra, trabalhando com arte, com história da arte e, claro, com espiões russos. Esse irlandês também gosta de homens, não de um modo caricático ou politicamente correto ( acho que andaram inventando um modo politicamente correto de ser homossexual, já repararam?), mas ele gosta de um modo natural, como você gosta do quer que você goste. Ele tem relações promíscuas, tira vidas inocentes ou não com atos de espionagem, faz enfim, muitas coisas condenáveis, mas é impossível não se apaixonar por esse irlandês, inglês, russo, que tem tantas faces que parece até brasileiro.
Não sei se é o momento de usar a palavra amoral, a realidade, vista sem filtros cor de rosa também parece bem amoral. Guerra e miséria não são menos indecentes que muitos atos comumente condenados.
Mas, apesar de jogar nas duas (com trocadilho, por favor, o livro é muito bem humorado), nosso personagem demonstra uma incrível linearidade de caráter. É, ao mesmo tempo, um marxista e um monarquista, um real cavaleiro inglês e um leviano espião russo, um marido atormentado e um promíscuo inveterado.E tudo isso sem deixar de ser sempre o mesmo: apaixonado, emotivo, introspectivo, sábio, fiel àquilo que vale a pena ser fiel, segundo ele mesmo.
A guerra, quase ia esquecendo, a segunda guerra está lá, tudo se passa em tempos de guerra, não há maior contradição que matar pela paz. Só que esse não é um livro sobre guerra, nem sobre contradições, porque tudo isso é muito natural. Esse seja talvez um livro sobre filosofia, sobre o estoicismo, que, conforme eu aprendi com o autor, é o seguinte: uma corrente que acredita que o mundo nunca progride, porque o equilíbrio entre o bem e o mal permanece constante e os fatos podem diferir um pouco, mas sempre se repetem. Quem esperaria aprender isso num livro de espionagem?
Assim, John Banville desequilibra um pouco esse mundo estóico, surpreende com um texto macio, leve, capaz de nos fazer flanar sobre as matanças de uma bomba. E, na balança final, com mais peso que todas as atitudes politicamente corretas, está a arte do personagem, o amor pela pintura. Com mais peso que todos os assuntos do livro, está a arte do autor, essa habilidade e essa paixão na hora de ordenar as palavras, aquilo que nos confirma amantes da boa literatura.

Gisela Cesario

Thursday, April 13, 2006

A irmã de Becky Bloom - Sophie Kinsela

Sobre o quê: A consagrada consumista Becky descobre que não é filha única. Ela tem uma meia-irmã. Mas isso não é o que mais surpreende nossa personagem, o mais incrível para ela é descobrir que sua própria irmã simplesmente odeia fazer compras.

Crítica: Não sei a Sophie Kinsela tem um fã clube, se tiver, certamente eu poderia ser a presidente, ou pelo menos ter um cargo de diretoria. Li todos os seus livros e adorei cada página deles, todos são surpreendentes. Com exceção deste. Vejam bem, não estou dizendo que o livro não é bom. Estou dizendo que não é surpreendente. Bom, o que a gente espera quando lê uma continuação de um livro ou vê a continuação de um filme? Claro, que não seja tão bom quanto o primeiro, aquele que deu origem à série. Esse é o motivo pelo qual todos os livros de Sophie ( um não é sobre Becky, mas é parecido) foram surpreendentes. Eles são simplesmente tão bons quanto o primeiro, coisa que ninguém podia esperar. O que todo mundo podia esperar era que um dia, a autora fosse escrever um livro que não fosse assim tão surpreendente. Um livro legal que seguisse a mesma receita sucesso, mas não tivesse aquele brilho do primeiro. Não é isso que todo mundo faz? Pois é. Por isso “A irmã de Becky Bloom” não surpreende. A idéia de confrontar Becky com uma pessoa totalmente pão-dura é genial, mas há uma voz politicamente correta que tanto grita que consegue desviar nossa atenção da história. Sim, a irmã de Becky reutiliza pó de café porque teve uma infância pobre, ela nem se sente corajosa suficiente para se olhar no espelho sem se achar fútil e mimada. E claro que, colocadas numa situação limite, onde a própria vida está em risco, as duas descobrem que têm em comum o senso de humor,a compulsão(uma em gastar pouco, a outra, muito) e o grande coração. Será que a irmã fica menos pão dura e Becky menos gastadeira? Não é um dilema digno dos sempre divertidos, hilariantes livros de Sophie.
Nas suas aventuras anteriores, Becky não passava mais de dez páginas sem encarar uma situação que parecia sem saída, não por ser dramática, mas por ser absurdamente engraçada, como ter que pagar duas festas de casamento em dois lugares diferentes. Depois, milagrosamente, ou melhor, genialmente, ela resolvia o problema para entrar numa calmaria que duraria no máximo outras dez páginas.
Foram 3 livros (Repito, em um deles a personagem não é Becky mas o ritmo é igualmente intenso), três pequenos tijolos de cerca de 300 páginas sem perder o fôlego. Agora parece que a autora parou para descansar. A gente entende. Fazer o quê? Só torcer para que a energia volte logo no próximo livro.

Gisela Cesario

Thursday, February 16, 2006

No sufoco – Chuck Palahniuk

Sobre o quê: Victor Mancini tem muitos problemas. É sexólatra, sua mãe está esclerosada e doente numa clínica que custa uma fortuna por mês, seu emprego é esquisito, mal remunerado e ele vive de aplicar o golpe do sufoco em restaurantes. Finge que está sufocando para ser salvo por alguém e depois pedir dinheiro. Como, por que se chega a isso é o assunto do livro.

Crítica: Percebi que Chuck tinha um texto bom pelas primeiras três linhas do livro, o velho truque do “não leia”, velho e eficiente, quem sabe escrever sabe disso.
Chuck começa bem, continua melhor, vai ficando incrível e quando você tem certeza que vai acontecer alguma coisa pra tornar aquele romance algo banal e ridículo, porque está prometendo demais pra ser verdade, ele surpreende, dando ao leitor ainda mais do que foi prometido. Além de emoção, realismo, humor, nosso autor ainda escreveu um belíssimo suspense.
Não sou louca de contar mais nenhuma palavra além disso, mas o livro é de uma inteligência admirável. Pra mim, admirável é exatamente a palavra, admiro como alguém consegue criar uma história complexa sem deixar nenhuma ponta solta, fazendo com que todos os pequenos diálogos, fatos e detalhes tenham sentido. Num romance perfeito, as coincidências não existem. Criei essa definição agora, mas quando se diz que “o acaso não existe” é apenas o desejo humano de que a vida seja perfeita, onde tudo está perfeitamente planejado não há espaço pra imprevistos. Queremos uma vida tão bem planejada quanto aquele filme do Spielberg onde o menino fala “eu vejo gente morta”. “No sufoco” é assim. Mais do que perfeito, porque perfeito seria somente o que satisfaz plenamente nossas expectativas e o livro vai muito além.
As palavras que me faltam estão todas lá, no texto do romance. No início, o estilo me soou meio confuso, mas depois, pareceu que aquele período de estranhamento havia sido necessário. Afinal, o leitor vai mergulhar num universo nada comum. Ser viciado em sexo não é comum, assim como não é comum ter sido criado por uma mãe louca que vivia sendo presa, e muito menos pode ser comum trabalhar numa aldeia que imita o ano de 1700 como se a pessoa estivesse parada no tempo enquanto turistas tiram foto, os amigos fumam maconha, o patrão é um insensível e enganar os outros parece ser a única maneira de sobreviver. Ora, até que isso tudo não é tão incomum assim. Quanto de absurdo existe no nosso dia a dia e já deixou de ser absurdo simplesmente por não ser novidade? Impossível não se identificar com alguma parte desse mundo sem sentido.
Mas quando você já tiver se acostumado a todas às loucuras do livro assim como já se acostumou com as loucuras da sua vida, quando você achar que chegou no ponto do nada mais te surpreende, essa história ainda vai te surpreender. Uma grande surpresa. O que mais a gente pode esperar da vida?
Como diz tão bem a mãe do menino no livro: "A única fronteira que ainda existe é o mundo dos intangíveis...idéias, histórias, música e arte."

Gisela Cesario

Thursday, February 09, 2006

CSI - Investigação da cena do crime ( Criminal Scene Investigation)

Sobre o quê: A eletrizante equipe do CSI se divide para desvendar dois crimes: os homens investigam o desaparecimento de uma dona de casa provavelmente esquartejada pelo marido. As mulheres investigam o estrangulamento de uma dançarina de boate.

Crítica: Muito bem, Sucker, mexa esse traseiro gordo... Quem já esqueceu de quando Caceta e Planeta debochavam da dupla de policiais americanos ( “fucker and sucker – uma dupla de dois tiras”) certamente poderá lembrar deles ao ler CSI. Tudo bem, essa era a proposta, não posso reclamar. É como alguém ir assistir a Máquina Mortífera e ficar revoltado com a violência. Por que eu fui ler esse livro? Talvez aquele mistério português do céu azul tenha me deixado tão poética que eu queria um pouco da simplicidade de um seriado americano, crime, pistas, assassino, final. Só que nada é tão simples assim. Pra começar, eu me recusava a acreditar que esse não era o livro que tinha dado origem à série da TV. Não sejam teimosos como eu. Acreditem. Não é. Todo mundo já viu um livro bom dar origem a um filme mais ou menos e a uma série mixuruca. Como nunca tive paciência para assisitir a um CSI inteiro na TV, achei que fosse isso, uma série mixuruca saída de uma boa idéia que estaria ali, naquele livro que eu tinha acabado de adquirir. Não. É o contrário. Literalmente. A série mixuruca deu origem a esse livro.
Ora, livros dão origem a filmes, filmes dão origem a seriados, não dá pra ir no sentido inverso.É como querer nascer velho e morrer bebê.
O autor fez seu dever de casa, escreveu um livro que nos dá a impressão de estar vendo cenas na tv, isso normalmente é um elogio, talvez literariamente seja um elogio, a forma é essa mesmo, o problema é o conteúdo. Policiais fanáticos por seu trabalho, que jamais querem ir para casar comer, dormir ou pegar alguém, brigas inversossímeis ( três policiais armadas contra um dançarina de biquini...), aquele retrato da justiça que faz a média do americano suburbano e com uma inteligência abaixo da média ir dormir tranquilo e se sentindo protegido. Bom, eu só consegui me sentir idiota. E o pior era que eu queria ter gostado. Queria ter adorado, até vi na revistinha da net quando passavam os episódios do CSI, eu ia adorar o livro e ia virar fã da série, mesmo ela sendo mais ou menos. Talvez um dia eu assista a um episódio inteiro só pra saber como é. Novamente, acreditem. Não pode ser pior que o livro.
Gisela Cesario

Monday, February 06, 2006

Um céu demasiado azul - Viegas

Sobre o quê: Desvendar o assassinato do filho de um importante membro do ministério. Com esse desafio, dois detetives amigos se reúnem e acabam fazendo um balanço das próprias vidas.

Crítica: Bom, no sobre o que me deu vontade de escrever “boa pergunta”.
Eu mesma me fiz essa pergunta várias vezes durante o romance. Com uma prosa bem envolvente, Viegas vai nos envolvendo pra não dizer nos enrolando e mistério que é bom, necas. Por ter um texto tão agradável, não chega a ser nenhum sacríficio ler as bem traçadas linhas desse autor, mas sobre o quê era mesmo que estávamos falando? É isso que acontece. A gente esquece o objetivo do livro se é que existe algum objetivo, se é que precisa existir algum objetivo num livro além do prazer de ler. Ou não. Um Céu Demasiado Azul é assim,ofuscante. O céu é tão azul que a beleza dessas descrições, das histórias paralelas ofusca o mal iluminado mistério. Sabe quando você entra num ônibus que dá tanta volta que te faz esquecer aonde estava indo? Dizer isso pode parecer meio vago, mas aí vai um dado concreto: os dois personagens principais somente se reencontram na página duzentos. Pelo amor de Deus, a história se baseia no reencontro deles ( leiam a orelha e comprovem!), é um pouco demais esperar até a página duzentos pra começar o que devia ter começado lá onde se começa um livro, nas primeiras páginas. A partir daí, o romance pára de entrar em todas as ruas que encontra e finalmente segue uma linha razoavelmente reta. Até senti algum interesse de saber o desfecho do suspense, quem era o assassino, porquê, esses detalhes que diferenciam um livro de mistério de outro. Só que já era tarde demais, várias vezes voltei as páginas para me lembrar o nome de um personagem, que era ele, por que estavam falando dele. Os nomes parecidos e o português de Portugal não ajudam muito. Alguns autores estrangeiros, normalmente os americanos, têm uma mania muito chata de colocar personagens com dois nomes como, por exemplo, Jack Smith, até aí tudo bem, mas tem horas que se diz Jack saiu, depois vem Smith voltou. Vaí aí um parentêse da minha opinião sobre esse hábito ( Repetir nome não é falta de vocabulário, é demonstração de clareza, o leitor deve ficar ansioso pra saber o final do livro e não de quem o autor está falando) Pronto, parêntese feito, volto ao céu azul de Viegas, onde a gente se perde e não se importa muito em se encontrar de volta, pois o caminho está tão bonito...Não é um romance empolgante, não é um suspense intrigante, mas mesmo assim, a gente tem vontade de continuar lendo, talvez por não acreditar que um texto tão bom simplesmente não vai dar em nada. Apesar dessa decepção, Viegas nos deixa um pouco poéticos e não posso deixar de lembrar daquele música: “Se eu quiser falar com Deus tenho que dar às costas, caminhar, decidido, pela estrada que ao findar vai dar em nada, nada, nada, nada do que eu pensava encontrar.”
Gisela Cesario

Friday, January 27, 2006

Berenice procura - Luiz Alfredo Garcia Rosa

Sobre o quê: O assassinato de um travesti em Copacabana desperta o interesse de Berenice, taxista da área, quando um sem-teto parece estar sendo envolvido injustamente no caso. Ela, mesmo com a total desaprovação do ex-marido, que é jornalista policial, resolve investigar o caso.

Crítica: Não gosto de falar mal de gente, falar mal de livro então é pior ainda.
“Berenice Procura” começa bem (já adivinhou que aí vem bomba, né? E vem mesmo), começa tão bem que a gente desconfia. Com um ritmo incrivelmente intenso, a primeira metade do livro faz uma grande promessa que a segunda não consegue, nem de longe, cumprir. Vamos então falar da primeira parte que ela merece. Luiz Alfredo nos apresenta um personagem chamado Russo, um sem-teto que passou a vida toda nas ruas de Copacabana e, hoje, com 30 e poucos anos, conhece como ninguém não só as esquinas mas os bueiros e subterrâneos do bairro. Tanto que dorme nas galerias inacabadas do metrô. As ruas existem mesmo, as galerias também, meninos e adultos como Russo certamente existem, a gente pode vê-los a todo instante em Copacabana. Isso, pra quem mora no Rio e sabe do que o autor está falando, é certamente fascinante, não sei pra quem não conhece, mas eu, quando estava no meio do livro, quase subi a pedra onde termina a Rua Constante Ramos pra ver se tinha uma entrada para uma galeria do metrô ali. Essa é a primeira metade e um pouco mais do livro. Instigante, irresistível, pulsante e todos os adjetivos cabíveis àqueles mistérios que talvez só a Agatha Christie tenha escrito. Ou o Luiz Alfredo tinha escrito o melhor policial brasileiro que eu conhecia ou eu ia me decepcionar. Infelizmente foi a segunda opção. Perto do final, o que era um ritmo intenso se torna um atropelamento de fatos, como se diz, coisas estranhas começam a acontecer. Acho que o ponto de inflexão é quando a Berenice resolve começar a seguir o Russo e depois resolve falar com ele, ainda explicando ao rapaz seu grande medo que uma injustiça seja cometida. Isso não tem cabimento. Não vou esmiuçar os motivos, mas quem ler vai, possivelmente, concordar comigo, não tem cabimento um personagem solitário que vive na sua tomar ares de justiceiro de repente e ainda mais porque não há ameaça real alguma pairando sobre nosso anti-herói. Depois que ela tem uma noite tórrida de amor com ele no túnel inacabado do metrô, aí tudo vai pro buraco mesmo, com o perdão do trocadilho, eu não devia dizer mais nada, mas se eu disser, você acredita que o ex-marido ciumento corta com os dois lados e, talvez, tenha tido um caso com o travesti assassinado? Isso até poderia ser interessante, não fosse a aparente pressa ou desespero de terminar o livro que começa a ficar sem pé nem cabeça e termina tão abruptamente que a gente vira a página procurando o resto da história.
O autor não colocou Espinosa, seu personagem policial de outros livros, nesse romance. Ainda bem. Ele não merecia. Não acho que o autor está numa fase ruim, não acho que ele perdeu a inspiração nem nada disso. Só acho que não dá pra acertar sempre. E dessa vez, ele errou feio.

Gisela Cesario