Tuesday, September 19, 2006

O homem dos círculos azuis - Fred Vargas

Sobre o quê: Uma série de objetos começa a aparecer dentro de círculos azuis nas calçadas de Paris. Junto com cada círculo, uma frase: “O bento, seu azarento, na rua com esse vento?”. Isso deixa de parecer brincadeira quando cadáveres passam a substituir os objetos dentro dos círculos. Desvendar esse mistério é o trabalho de um peculiar delegado e seu inspetor alcoólatra que serão ainda ajudados, ou atrapalhados, por uma oceonográfa metida a detetive e um cego mal-humorado.

Crítica: Como diria o cego personagem do livro, há muito não vejo com bons olhos essa coleção de mistério da Companhia das Letras. Pode-se dizer que é terrivelmente heterogênea, tem grandes porcarias e grandes mistérios. Ainda bem, esse se encaixa no segundo caso. E foi justamente o cego, mal humorado e engraçado, que me guiou pelo livro adentro.
Primeiro são apresentados ele e a oceanógrafa, num diálogo tão bem trabalhado que fica difícil não continuar lendo e se surpreender ao descobrir que eles não são as personagens principais. Não. Ainda falta conhecer o delegado Adamsberg, seu assistente Danglard e mais algumas pessoas. Surpresa novamente, eles são ainda mais fascinantes que as personagens iniciais. E a trama é digna de todos. Um mistério bem delineado, com o lápis azul do homem dos círculos e a incrível mente de Fred Vargas, autora que eu não conhecia.
Além de adorar suspense, tenho uma queda por metáforas. E pra esse romance, vai a do avião. Você ouve o aviso de apertar o cinto, sente a aeronave deslizar suavemente, fica esperando o baque, mas ele não vem, quando você percebe, está voando, olha pela janela e lá estão as nuvens abrindo caminho pra esse avião que você nem sentiu decolar. Aí você espera o momento de ficar entediada, de pensar no serviço de bordo, de folear aquela revista chata da poltrona, mas por algum motivo você não conseguiu ainda desgrudar da janela. As nuvens podem ser interessantes? Você não sabia que eram tantos formatos, nunca tinha reparado nos buracos que a luz do sol faz, e as cores, é desconcertante ver como as cores ficam difusas e bonitas. Mas o que? Você não acredita no que está ouvindo? Outro aviso de apertar os cintos? Já? Você não percebeu novamente, o avião pousou devargarzinho, as nuvens estão lá em cima, você desliza no chão. A viagem ficou pra trás e deixou aquela saudade imensa mesmo antes de ter terminado. O consolo pra essa saudade é o mesmo de sempre. A próxima viagem.
Um livro primoroso, como esse de Fred Vargas, merece ser pensado assim. Logo, logo, em outra prateleira, em outra livraria, talvez pela mesma Companhia de Letras, Fred Vargas vai me encontrar de novo com um cartão de embarque, porque a esperança é de que seu texto me leve não somente a outra viagem, mas a outro vôo absolutamente perfeito.

Gisela Cesario