Tuesday, October 31, 2006

Sequestro em Copacabana – Oliver Dell’Anno

Sobre o quê: Uma família carioca acostumada com a vida no subúrbio muda-se pra zona sul. Na primeira noite, a filha de 16 anos não aparece em casa e todos começam a viver a possibilidade de um seqüestro.

Crítica: Estranho. Engraçado e estranho também. Podia resumir tudo que tenho pra dizer com esses dois adjetivos, mas serei um pouco mais prolixa. O que me levou a escolher um livro de suspense com personagens cariocas e autor americano? Só pode ter sido porque eu gosto de coisas estranhas. Ou melhor. Gosto de coisas diferentes. Não dá pra negar que a gente não espera que um americano escreva um livro onde o personagem principal é o delegado Biguá, não é? Claro, na orelha estava escrito que o autor viveu muitos anos no Brasil, etc e tal. Senti que minha curiosidade seria substituída pela decepção ( sempre espero que o diferente seja melhor) ao ler as primeiras páginas. Não sei se é o primeiro livro do autor, mas a gente nota que o texto nos pede licença antes de falar, pensei que podia ser por educação, costume de escrever em outra língua ou puro amadorismo mesmo. Amadorismo pode ser ruim ou bom, o amador faz por amor, mas aqui o amor do autor pelas palavras não teve um final muito feliz.
Esquecendo o fato de que alguns diálogos soam estranhos, a própria história tem falhas que começam no título do livro. O seqüestro não é em Copacabana, sim em Ipanema. Se algum revisor não reparou nisso, imagine se ia reparar em várias comidas de mosca do livro.
Há um personagem que mora na barra num capítulo e depois aparece morando no Grajaú sem nunca ter se mudado. Outro chama um colega de trabalho, do mesmo nível e mesma idade, de senhor. O patrão é mais pobre que os empregados. Ah, um festival de moscas.
Agora que já expliquei mais ou menos o estranho vou pro engraçado, que também não deixa de ser esquisito. Tudo isso não faz de “seqüestro em Copacabana” um livro ruim. Ri-se e muito com as falas do delegado biguá e as situações inverossímeis. O ritmo do texto é intenso, obriga a gente a segurar nos trancos e barrancos lingüísticos e seguir em frente. O final é legal. Isso aí. Legal.
Pena que o sinal parece que tocou antes do autor acabar a prova e ele foi obrigado a entregar assim mesmo. O delegado biguá, pelo menos, merecia uma segunda chance.

Gisela Cesario

Friday, October 06, 2006

O homem que colecionava manhãs – Liberato Vieira da Cunha

Sobre o quê: Alberto é um funcionário público que ganha um extra escrevendo cartas para quem é analfabeto ou precisa de ajuda com as palavras. Descedente de família rica, mas vivendo humildemente numa pensão, ele tenta fazer as pazes com o passado que tanto o transformou. Escrever é também seu passatempo.

Crítica: Se eu fosse uma pessoa justa, ia usar esse espaço para agradecer e não somente para elogiar. Eu começaria assim:
Prezado Sr Liberato;
Obrigada por ter escrito “O Homem que colecionava manhãs.” Eu o encontrei na livraria que tem o critério de organização mais caótico do universo. Seu romance estava entre um livro de direito internacional e outro de culinária. Não pretendia comprar nada. Estava apenas divagando sobre o caos daquela livraria e da minha própria vida quando vi seu livro. Comprei porque gostei do resumo da orelha, das primeiras linhas e do fato de ter uma personagem chamda Gisa, meu apelido de infância.
Já pelas páginas iniciais percebi que seria um daqueles que leio com pena. Cada página é uma a menos, quando percebo que li muito me obrigo a parar, se quiser uma metafóra pra essa maluquice pode chamar sexo tântrico literário. Adia-se ao máximo o final, mas não para intensificar o prazer e sim para prorrogá-lo. Queria poder ficar lendo “ O homem que colecionava manhãs” pra sempre.
Amoral como um Rubem Fonseca, delicado como um Drummond, informal como um Marcelo Rubens Paiva, Alberto é um escritor fascinante. Escritor de cartas pros outros e para ele mesmo, seu hábito de relatar suas experiências e pensamentos a cada dia me recordou como era bom fazer isso, por que parei? Parei por quê? Não importa. Recomecei. Também por isso, agradeço, tanto ao Alberto quanto ao Liberato.
Sua obra tem o ritmo certo, calmo, mas longe de ser monotóno. Para me conquistar de vez, ainda teve crime, assassino, delegado, suspense .
Para os meus eventualíssimos leitores, acho que não precisa dizer se gostei.
Ah, obrigada Liberato, por misturar tudo que eu adoro num livro e ainda fazer dar tão incrivelmente certo.
Sei que não foi pra mim.
Mas não será tudo que é escrito sempre para alguém que não se conhece?
Mesmo que esse alguém seja uma parte de nós mesmos?
Um Alberto de Liberato, uma Gisa de Gisela.
Obrigada por esse lado seu, que também é meu e de todos nós. Que torna escrever mais hábito e menos vício.
Que nos torna todos menos responsáveis por nossas desgraças e mais personagens de um grande projeto de Deus.
Obrigada pela esperança de que esse projeto talvez dê certo.
Se não essa noite, talvez em uma das muitas manhãs que, todos nós, escritores/sonhadores, insistimos em colecionar.
Obrigada finalmente por me dar coragem para escrever essa crítica exatamente como ela devia ser: em forma de agradecimento.

Gisela Cesario