Friday, August 24, 2007

Almost Blue – Caco Lucarelli

Sobre o quê: De diferente formas, três personagens estão envolvidos numa série de crimes. O assassino, um psicopata que troca de identidade a cada vítima. A detetive, que luta contra a solidão que a persegue e pra ter seu trabalho reconhecido. E um cego que passa os dias ouvindo um tipo de rádio amador. Ele é, por acaso, o único capaz de reconhecer o criminoso.

Crítica: Todo leitor acredita que existe uma força superior que o une aos livros. Algo como o destino que rege os encontros amorosos. Às vezes você caça, outras é caçado. Pois algumas vezes os livros escolhem o leitor, e não ao contrário.

Almost Blue jamais esteve na banca das novidades, nem dos mais nem dos menos vendidos (devia existir isso). Entretanto, em cerca de 6 meses o escolhi (aleatoriamente?) em estantes de lugares completamente diferentes como a biblioteca de um curso, um sebo e uma livraria. O lagarto na capa verde e azul, o nome em inglês de um autor que eu pensava que era brasileiro...alguma coisa me chamava naquele livro. Um dia entrei numa livraria e fiquei procurando, só de sacanagem foi a única vez que não o vi. Aí decidi que quem mandava no meu destino era eu, fui até o vendedor, pedi o livro, ele demorou a ser encontrado (Caco Lucarelli é italiano – era meio óbvio, né?), finalmente eu comprei. Mas chega de falar de mim.

Almost Blue. Cheguei a procurar no dicionário uma palavra, que eu não consigo encontrar na minha cabeça, pra adjetivar esse livro. Podia ficar aqui com fantástico, chocante, surpreendente, lancinante, certeiro, sei lá mais o quê. Não sei como descrever nem sei como alguém conseguiu escrever um livro tão cinematográfico ( será que encontrei a palavra?). Pela primeira vez tive a sensação de estar vendo um filme de ação enquanto lia um livro. Não por acaso, o autor é colaborador de Roman Polansky.

Não que eu seja muito fã de filmes de ação, mas é diferente quando as cenas acontecem dentro da sua cabeça. Claro que a linguagem é frenética, você vira as páginas sem perceber, mas o mais instigante é mudança da pessoa do narrador. Sei que essa expressão parece ter saído de uma aula de teoria literária, mas eu não estou fazendo uma referência gramatical. Acontece que a história é contada por um narrador ausente quando fala da detetive, pelo cego e pelo assassino simultaneamente. E o assassino é um cara doido que não sabe quem é. E você é um leitor doido que não sabe quem está falando, se é o cego ou o doido, porque o cego também não bate muito bem. Como num jogo de videogame, você tem que ficar atento o tempo todo pra não se perder.

Isso poderia ser horrivelmente chato e fazer você desistir de ler se não fosse feito do jeito certo, como uma comédia que tem o tempo exato pra platéia rir, o suspense não chega a deixar você tonto a ponto de perder o interesse. De alguma maneira sobre humana, Caco consegue fazer a revelação na hora certa do suspense máximo.

Cada descoberta de narrador traz ainda uma novidade pra história, as peças do quebra-cabeça vão se completando até chegar num final poético. Agora o adjetivo é esse mesmo. É como enxergar uma praia paradisíaca após de ter sobrevivido a um naufrágio. Depois de um puta exercício aeróbico, seu cérebro vai relaxar e gozar nas últimas linhas. E linhas é uma palavra tão limitada. Melhor seria dizer últimas cenas. Cenas de um daqueles filme que deixam a gente com cara de babaca fingindo ler os créditos, sem forças pra levantar e ir embora do cinema.

Gisela Cesario