Tuesday, December 23, 2008

A primeira mulher – Miguel Sanches Neto

Sobre o quê: Aos 40 anos, um professor de literatura solteirão tenta entender sua vida amorosa e, ao mesmo tempo, desvendar um mistério envolvendo sua primeira namorada.

Crítica:
No filme “Três solteirões e um bebê”, que já foi reprisado milhares de vezes em todas os canais, havia uma cena em que o solteirão principal lia um manual técnico para o bebê dormir. Nisso, outro solteirão perguntava o que ele estava fazendo, pois era óbvio que um recém-nascido não iria entender aquilo. Sua explicação era simples e convincente: não importa o que eu diga, contanto que seja no ritmo de uma historinha de dormir.

Agora vamos ao que isso tem a ver com o livro do Miguel Sanches. Teoricamente, é um suspense, o professor torna-se investigador para descobrir quem está chantageando sua primeira namorada, Solange. Acontece que ela é candidata a deputada, construiu sua popularidade em cima da busca de um filho desaparecido, é a porta-voz das mães e mulheres lutadoras, mas quando a eleição está próxima alguém começa a telefonar, dizendo que seu filho está vivo e vai revelar uma verdade terrível, capaz de destruir a candidatura de Solange. Pronto. Fez-se o fio condutor do mistério, mas será que o escritor quer escrever um mistério? Será que os leitores estão interessados nisso? No fundo, não importa aqui se o filho de Solange está vivo, morto ou virou um vampiro chantagista, o que importa é acompanhar a vida amorosa de Carlos Eduardo, o professor investigador protagonista.

Veja se não é mais interessante: todo ano ele tem um caso com uma ou mais alunas de suas classes de literatura, a atual se chama Líria, é branca como um Lírio ( desculpem, mas é isso mesmo) e , ao contrário das outras que só queriam passar de ano, está realmente apaixonada pelo professor. Por Solange, ele sente um amor eterno que se confunde com a eterna busca pela paixão perdida da juventude, e não faltam chances para sua procura, pois ele se torna guarda-costas ( entre outras partes) da deputada. Tem ainda a empregada de Solange, que ele pega em nome da desigualdade social e da luta de classes; inclua-se também alguma profissional para o trivial sexo pago. Isso sem falar no relacionamento simultaneamente lacônico e amoroso do professor com a mãe dele, leve ou pesadamente edipiano. Óbvio que, com tantos afazeres e acomeres, nosso professor não se interessa em descobrir patavinas nenhumas. O leitor pode ficar tentado, como eu, a fazer suas especulações para solução do mistério, mas logo perceberá que o mistério não faz a menor diferença.

A real viagem que Miguel Sanchez nos oferece é por uma prosa suave, companheira, um bate papo sobre o amor, a juventude, essas coisas gostosas de se conversar com um amigo. E, nessa viagem, o leitor ainda vai encontrar, como pitorescos pontos turísticos, versos poéticos entremeados em capítulos próprios, poesias no estilo de “cantigas dos amigos”, que vai reconhecer quem já estudou algo de literatura, mas isso é um mero detalhe, diante da real beleza dos versos. Poesia que cai como uma luva para uma história de amor e flutua meio bobamente num pretenso suspense.

Por isso, melhor esquecer esse lance de filho da deputada, de ameaça, chantagem, o autor quer é que pensemos em amor.

E se há algo a se descobrir no livro é somente a identidade da primeira mulher.

Gisela Cesario

Tuesday, July 22, 2008

A interpretação do assassinato – Jed Rubenfeld

Sobre o quê: No início do século passado, Freud e Jung juntam-se a outros percussores da psicanálise para desvendar uma série de assassinatos em Nova Iorque.

Crítica: Quando um livro parece bom demais para ser verdade, a gente tenta não alimentar expectativas até pelo menos as últimas 5 páginas.
“A interpretação do assassinato”, no entanto, tem texto para derrubar as dúvidas do leitor mais desconfiado antes mesmo de se chegar ao meio.
Pensei que ainda que o final fosse um absurdo total, teria valido a pena. Explico: o autor tem uma qualidade rara: a capacidade absurda de unir forma e conteúdo. Não só a prosa é leve e deliciosa como também traz um enredo intrigante e cheio de curiosidades interessantíssimas do mundo da psicanálise. O assassinato em série, fio condutor da história, é investigado por um atrapalhado detetive e um azarado legista, mas a vítima sobrevivente é tratada pelo discípulo de Freud, o inventado personagem Younger, que também se apaixona pela analisada. Com uma trama dessas, nosso autor esbanja talento indo e vindo sem tropeções da comédia à profundidade de interpretações psicanalíticas e shakespearianas.
Como brinde extra para os leitores, há ainda a intimidade de Freud e Jung, seu conturbado relacionamento com os temas edipianos e a briga de ideologias com uma corrente de neurologistas. E tudo isso não é ficção, ou grande parte disso não é ficção, como descobrimos ao ler a última página, que, aliás, devia ser lido no início, ou todos correm o risco de, como eu, ter vontade de ler o livro de novo, agora dando mais importância às informações verídicas.
Fica a certeza de que, enquanto alguns livros são rabiscados e outros ordinariamente escritos, poucos são verdadeiramente construídos e arquitetados. É esse o caso de a interpretação do assassinato, onde o autor usa os materiais mais nobres do suspense para erguer uma cuidadosamente elevada estrutura textual. Mais do que uma obra literária. É uma obra de arte.

Gisela Cesario