Saturday, November 14, 2009

Uma longa queda - Nick Hornby

Sobre o quê: Quatro pessoas com vidas completamente diferentes têm a mesma idéia na noite de reveillon: se suicidar pulando de um famoso prédio de Londres. O encontro, além de evitar suas mortes, muda suas vidas.

Crítica: Li quase todos os livros desse autor, digo quase porque dois eu parei no meio, e, finalmente, alegremente e sinceramente posso dizer que ele conseguiu de novo o que já tinha conseguido com Alta Fidelidade. Escreveu algo absurdamente fantástico.
São quatro narradores, os quatros suicidas, por isso a história consegue ter aquela alteração necessária de ritmo pra não ficar monótona sem mudar de assunto. Todos eles são incrivelmente egoístas, mesmo vivendo em mundos tão diferentes, por isso o ponto de vista de cada um conta quase a mesma coisa de uma forma totalmente oposta. Vejamos o grupo: um apresentador de TV mal-sucedido, uma adolescente revoltada, uma religiosa casta e mãe de um inválido e um jovem músico desiludido que virou entregador de pizza. Quase impossível pensar em pessoas que tivessem menos em comum. No entanto, um grande, imenso vazio as une, do tamanho de uma queda de muitos andares. É a perspectiva de vida. Os suicidas, opinião minha, além de serem algo egoístas, são também grandes visionários. Eles sabem que nada de bom vai acontecer. Eles sabem que não adianta mais tentar, nem esperar, nem desistir, nem mudar de direção, nem porcaria nenhuma. Eles sabem que já estão mortos, só falta a alma abandonar o corpo. Em suma: eles sabem mais que Deus. Não que eu tenha algo contra quem pensa em pôr fim à vida, quantas vezes já tive a mesma idéia? Quem nunca teve? Todos nós temos nossos momentos de pular do prédio e algo que nos segura (tirando, é claro, aqueles que realmente pulam).

Engraçado que só agora que estou escrevendo essa resenha percebo que esse livro me fez lembra de uma música, tema de um filme que esqueci o nome. O filme (calma, não vou mudar de assunto) era sobre um monte de gente ferrada que morava num prédio abandonado e a música começava assim (era em inglês): “Agora que eu pulei, eu vejo que a vida é boa, a vida é tem alegria, magia e televisão e surpresas, a vida é cheia de surpresas.” Acho que é nisso que um suicida não acredita mais. Em surpresas. Se você pensa na mera possibilidade de uma surpresa, você não se mata, nem que seja por curiosidade. Você espera a próxima surpresa.

O problema com as surpresas é que elas às vezes demoram tanto, mas tanto pra acontecer, que o sujeito se convence que sua vida será para sempre aquela sucessão de dias e noites aparentemente sem sentido e, já que não vai acontecer nada de bom mesmo, por que continuar? É como quando você desiste de um filme no meio porque tem certeza que ele não vai melhorar. Diria que em 99% das vezes a gente tem razão, o filme não melhora mesmo, alguns livros também não. Mas claro que não estou falando desse livro. Nosso autor conseguiu de novo fazer personagens que conhecemos tão bem que parecem nós mesmos em algum momento de nossas vidas. Pelo menos adolescentes e mal-sucedidos todos já fomos um dia.

Talvez ser velho não seja perder a esperança e sim acreditar nas surpresas, saber esperar por elas. Saber que um dia elas acontecem. Um dia alguma coisa pode mudar sua vida pra melhor. E pode até ser um livro.
Gisela Cesário.

Wednesday, October 21, 2009

Bárbara não quer perdão – Antonio Más

Sobre o quê: Num aparente acerto de contas, um travesti que teve, na infância, seus pedidos ignorados pela polícia, volta à cena para complicar a vida do mesmo Delegado que não lhe atendeu. Só que agora o próprio travesti é o criminoso e a tarefa do delegado tornou-se muito mais complicada.

Crítica: Raramente as orelhas têm razão. Se eu fosse uma pessoa que faz piadas idiotas, eu diria que não se deve dar ouvidos às orelhas, mas não sou. Tanto é que a orelha de “Bárbara não quer perdão” fala bem claro que o leitor não será capaz de parar quando começar a ler. Bom, já vi essa frase tantas vezes que perdi a conta, mas dessa vez a orelha fala sério. Li em dois dias, não contínuos obviamente, mas poderia ter lido em um se meus intervalos de leitura fossem maiores que uma hora. E chega de tempo, né? Vamos à crítica, que não existe. É uma crítica tão boa que deve se chamar logo elogio.
Antonio Más, até então um autor desconhecido no meu ignorante mundo, acaba de se tornar um ídolo. Confesso que ajudou o fato de eu ter abandonado pelo meio dois suspenses de autores famosos da companhia das letras por pura falta de paciência de continuar. Claro que isso influiu pra eu escolher um autor que fala minha língua literalmente e que narra um romance passado na minha cidade, o rio de janeiro. Aparentemente, isso é meio caminho andado, mas já vi esse meio caminho ser desandado várias vezes, por isso, creio que o mérito desse autor sobreviveria ainda que ele estivesse escrevendo em finlandês sobre algo acontecido na republica tcheca.
A história se passa com uma agilidade incrível, daquele tipo que faz você virar as páginas tão rapidamente a ponto de quem está a sua volta pensar se você está realmente lendo ou apenas olhando. Só que, além da vontade de devorar, ele desperta ainda a vontade de saborear. Por isso, voltei algumas páginas, principalmente as finais, pra fazer um slow motion das manobras literárias de Antonio Más que mereciam ser apreciadas devagarzinho, estilo degustação.
É um suspense perfeito, onde ninguém é totalmente bonzinho ou totalmente mauzinho, todos os acontecimentos são verossímeis e os personagens, como em toda boa história, não são meros personagens. São gente de verdade. E o final é surpreendente inclusive pra quem, como eu, já espera um final surpreendente. Enfim, pra não dizer que é tudo impecável, a capa da minha edição é meio brega, irrelevante, já que pra mim as orelhas são mais importantes que as capas, apenas um registro para as futuras edições. Afinal, tenho certeza que não sou só eu que vou querer mais ou, pra fechar com um trocadilho tão bobo quanto o do início, todo mundo vai querer Más.

Gisela Cesario

Wednesday, July 15, 2009

Um trem noturno para Lisboa

Sobre o quê: Mundus, professor de línguas clássicas em um liceu na Suíça, resolve, por causa do encontro com uma portuguesa, mudar completamente de vida. Então,após uma aula, ele simplesmente se levanta e decide ir para Lisboa a fim de fazer uma investigação tão complexa quanto o sentido da vida.

Crítica: Existem histórias cujas palavras nos acariciam, nos consolam, como um cafuné materno que afasta nossos problemas e nos certifica que está tudo bem. O fato de “Um trem noturno para Lisboa” ser uma dessas histórias não é o mais impressionante. O mais impressionante é que normalmente, histórias assim são “água com açúcar” e essa obra, apesar de doce, não tem nada de molenga, pelo contrário. É uma história principalmente de uma alma inquieta, que não encontra paz nem mesmo nos sonhos.
Mundus, o solitário professor, percebe que, abaixo da calma superficial de sua rotina de aulas, existe um maremoto de emoções a serem vividas, a serem ainda descobertas. E, para alguém absolutamente viciado em linguagem como ele, a percepção não poderia ter vindo de outra maneira a não ser por meio de uma palavra, uma simples palavra: português. Como não se identificar? Nosso personagem vinha passando por uma ponte quando vê uma mulher prestes a se suicidar. Ao iniciar uma conversa com ela, vem a resposta que indica a língua natal da possível suicida: português. Pronto. Ao ouvir o som da palavra com pronúncia lusitana ( muito diferente da nossa, é verdade), Mundus se apaixona perdidamente, não pela mulher, mas pela palavra. Não parece muito louco? Talvez não, todo bom leitor tem suas palavras prediletas, mas acho que poucos resolveram transformar suas vidas por uma delas.
Próximo passo, Mundus vai até uma livraria onde encontra, além de Fernando Pessoa, um livro de uma única edição, cujo autor chama-se Prado. Acostumado a traduções gregas e latinas, um dicionário de português não é nada para esse cara. E lá vai ele para casa, lutar com o texto, tentando entender a vida do português médico e revolucionário. Horas depois, ele está em um trem para Lisboa, a terra do português (sem piadinhas). É impossível não sentir um certo orgulho em ser um dos falantes dessa tão fascinante língua, pelo menos na opinião dele. Mas o autor faz muito mais do que nos mimar. Ao investigar a vida e os textos de Prado, Mundus nos leva por uma incrível aula de filosofia, pois cada escrito descoberto do português traz questionamentos ao mesmo tempo óbvios e surpreendentes, como quando uma criança nos faz perguntas desconcertantes para as quais já esquecemos de procurar as respostas. E é justamente essa inquietude dos questionamentos que pacifica a alma do leitor. Como pensar em nossos idiotas problemas quando as coisas mais importantes de todo universo, como a vida e a morte, estão ali, na nossa frente, descritas em belíssimas e deslizantes linhas, sugando nossa atenção?
Portanto, ler “Um trem noturno para Lisboa” não é somente lazer, é também terapia. Cheguei mesmo a tomar algumas decisões importantes levada pela impetuosidade dos personagens. Claro que não vou dizer como termina a busca de Mundus, simplesmente porque sua história não é daquelas que acabam no fim do livro. Ela fica conosco, nos reconfortando ou desassossegando, quando menos esperamos ou quando mais precisamos, em algum lugar entre o cérebro e coração.
Gisela Cesario

Monday, June 15, 2009

À caça de Harry Winston – Lauren Weisberg

Sobre o quê: Durante um jantar, três amigas fazem uma aposta que envolve mudanças radicais no modo em que cada uma se relaciona com homens.

Crítica: Quando você tem excelentes expectativas a respeito de um autor, duas coisas podem acontecer: uma enorme satisfação ou uma enorme decepção. Infelizmente, fiquei com a segunda. Não que a obra anterior da autora não tivesse dado sinais de que ela se tratava de um típico caso de best-seller de primeiro livro, mas também não era uma bobagem absoluta.
Pois bem, “À caça de Harry...” precisaria melhorar muito para se tornar uma bobagem absoluta. As bobagens absolutas são leves e não nos deixam com raiva ou da autora ou de nós mesmos ou de tudo ao mesmo tempo.
Enquanto lia as mal traçadas linhas de Lauren, me perguntei centenas de vezes a razão de ter escolhido um livro com um título tão idiota. A resposta, claro, era que não me dei ao trabalho de avaliar o livro antes de comprar, totalmente seduzida pela possibilidade de ler algo tão bom quanto “O Diabo veste prada”. Lógico que também apaguei do cérebro o quanto foi decepcionante ler o segundo romance de Lauren, “Todo mundo que vale a pena conhecer”. Pensei que, na pior das hipóteses, daria algumas gargalhadas. E olha que a orelha do livro nos dá uma pista a qual jamais deve ser ignorada - há uma personagem brasileira no livro - ninguém desconhece a idéia que a maioria dos americanos faz do Brasil, especialmente das mulheres, mesmo assim me orgulho de não ter preconceito quanto a autores americanos nem quanto à chamada literatura feminina, termo com o qual jamais concordei. Por isso, admito a surpresa quando vi que a personagem brasileira era caricática, pra dizer o mínimo, Uma linda mulher desocupada de 30 anos, filha de um rico empresário paulista e uma ex-modelo, estilo garota de Ipanema. Disse desocupada? Não é bem assim, ela até que se ocupa bastante em seduzir todos os homens que encontra pela frente e em ensinar às inocentes americanas essa irresistível arte que toda brasileira aprende desde pequena. Não se considere enjoado(a) só com isso, falta muito. Outra coisa que, segundo a autora, aprendemos desde pequenos é o espanhol, nossa segunda língua. É de se perguntar onde isso acontece, já que qualquer americano vê mais placas em espanhol numa volta de 15 minutos em Miami, NY ou Los Angeles do que um brasileiro veria se resolvesse atravessar o país inteiro. Lógico que espanhol e português podem ser parecidos para quem fala inglês ou alemão, mas daí a confundir quem fala uma coisa com quem fala outra, vai uma distância do Oiapoque ao Chuí. Páginas adiante, nossa autora mostra mesmo que faltou às aulas de geografia quando chama um cubano de sul americano ( provavelmente porque ele fala espanhol).
Erros crassos e ao mesmo tempo perdoáveis se a história fosse boazinha pelo menos. Acontece que as outras personagens, uma editora e uma chef de cozinha não são menos inverossímeis. Só para ilustrar: a primeira tem um caso com um homem casado, o qual provoca um rompimento por admitir ser casado, mas assim mesmo espera mais de seis meses para dizer à tal editora que casamento dele é irreal, uma farsa para conseguir um visto de trabalho para uma asiática. Sem comentários. Suas vidas passam ao longe pelo engraçado, encaminhando-se somente para o ridículo total. O ritmo da narrativa também não podia ser mais confuso, é um daqueles livros que nasceu querendo ser filme sem adaptações de roteiro, meses passam se atropelando de uma página para outra, fazendo o leitor cair no meio de uma cena que parece ter começado em algum lugar fora do romance. Enquanto isso, em outro capítulo, minutos se arrastam por dez, vinte páginas de descrições, lembranças e ponderações sobre a vida. Para completar, o final consegue ao mesmo tempo ser previsível e chegar de sopetão. De um segundo para o outro, soa a trombeta e todas as personagens encontram seus finais felizes, com ou sem príncipes encantados. E aqueles que acham que essa crítica está muito extensa devem apenas agradecer por eu não mencionar todos os escorregões que transformam esse romance em verdadeiro pastelão.
Como alguém que escreveu um livro tão bom como “O diabo veste prada” pode escrever um livro tão ruim é a pergunta que não quer calar. A resposta, imagino, deve ser o fato de o primeiro ter sido totalmente autobiográfico, enquanto o segundo e o terceiro foram obras de ficção.
Então, das duas uma, ou Lauren Weisberg está vivendo pouco ou está escrevendo demais. Na dúvida, melhor não ler.
Gisela Cesario

Friday, May 29, 2009

Lembra de mim? – Sophie Kinsella

Sobre o quê: Uma mulher acorda de um acidente sem lembrar coisa alguma dos últimos três anos. Justamente a época em que sua vida mudou por inteiro. Ela se tornou diretora da empresa, casou, reformulou seu visual, ganhou milhões e simplesmente não tem idéia de como isso tudo aconteceu.

Crítica: Lembram de Becky? Claro que foi pensando na estrela do consumo criada pela autora que agarrei com todas as forças esse romance e arranquei-o da prateleira da livraria. O último livro de Sophie, sobre a irmã de Becky, apesar de seu toque magistral, não tem o brilho característico que a personagem Becky merece. Pois bem, Becky reencarnou em Lexi, a protagonista de “Lembra de Mim”, e reassumiu seu brilho original.
É certo que falam em diversas fórmulas para o escritor se manter em sucesso, entre elas dar férias a seus personagens de vez em quando, partir pra outra, digamos assim. Parece que foi isso que Sophie fez: apagou aquele conturbado passado de Becky, que, convenhamos, não é um ponto de partida fácil para história alguma, e olhou para uma página em branco. Talvez essa tenha sido exatamente a idéia da autora ao criar uma personagem com amnésia, o branco total, começar do zero mesmo.
O resultado foi que nasceu de novo a personagem brilhante feminina, tenha ela o nome que tiver. Importa mais que essa mulher seja fiel a cada um dos leitores (me recuso a falar em literatura feminina) do que seja fiel a um passado de ficção que nem sempre contribui para um bom desdobramento. Penso que,se forem como eu, os leitores de Sophie não estão apaixonados nem por Becky, nem por Lexi, mas pela pessoa um pouco desastrada, assustadoramente comum e surpreendentemente maravilhosa que surge em todos nós quando rimos, ou melhor, gargalhamos, com as aventuras da personagem.
Em plena forma do desastre, a desajeitada Lexi se depara com uma linda mulher no espelho e um marido primoroso em casa. O que fazer quando tudo parece tão perfeito? Descobrir falhas, claro! Um amante, amigas invejosas, família em crise, colegas de trabalho trapaceiros e um cabelo cada dia mais sem brilho vão lembrando a nossa desmemoriada de que nem tudo é o que parece. Ou que a grama do vizinho só parece mais verde até você se tornar o próprio vizinho ou que pimenta nos olhos dos outros é refresco ou sei lá o que mais. Sei apenas que é frenético e engraçadíssimo, 200 e poucas ( ou teriam sido 300...) que parecem ter sido lidas em 2 minutos. O mesmo texto ágil de sempre com o conteúdo hilário renovado.
Eu já disse o quanto eu ri?
É claro, eu lembrei da personagem anterior, como o título ( suspeito eu) cismava em sugerir, mas muito mais lembrei do quanto é importante rir da própria vida e do quanto são maravilhosas as história de Sophie Kinsella.
Gisela Cesario

Tuesday, May 12, 2009

Desculpem, sou novo aqui – Carlos Moraes

Sobre o quê: Estamos nos anos 70. Um ex-padre, que havia sido preso por razões políticas, sai da cadeia e vai para São Paulo decidido a começar uma vida teoricamente normal.

Críticas: Vou adiantando de cara que só tenho coisas boas a dizer do livro, então vamos ao único “senão”. Pelo que entendi, o livro foi lançado agora (2009) e o autor, que também é ex-padre e ex-preso, já havia lançado outros com assuntos parecidos, então, não sei se por loucura da minha perturbada cabeça de leitora, cismei que a história era atual até começar a me espantar com algumas referências, principalmente à facilidade de se arrumar um emprego. Bom, falha minha. O livro trata da época de 70, uma daquelas épocas que a gente sente saudade mesmo sem ter vivido, pelo romantismo dos cigarros que não eram ícones do câncer, da dignidade da profissão do redator (seja de propaganda ou de jornal), essas coisas que o progresso leva embora.
Mas nada disso tem a ver com a história.

Quando comecei a ler esse livro, pensei que uma leitura pode nos trazer o esperado, o inesperado ou as duas coisas.

“Desculpem, sou novo aqui” nos traz as duas coisas. O esperado quando se conta que um ex-padre vai começar a viver como uma pessoa mundana ( leia-se pessoa do mundo, sem tom pejorativo) é que ele seja alvo de piadinhas por parte dos colegas de trabalho, seja olhado como um allien por ter feito um voto de castidade, seja alvo de enorme curiosidade por parte de todos, pois padre muitas vezes nos parece alguém entre o ser humano e Deus. O personagem de Carlos Moraes passa por tudo isso, por todos os primeiros alguma coisa de uma vida (de novo) mundana, principalmente os códigos, os quais ele faz questão de repetir que não entende. Então, do alto da nossa experiência comum, sorrimos por dentro para reconhecer com quantos inúmeros e aparentemente indecifráveis códigos convivemos o tempo todo, desde uma buzinada ao motorista da frente, a um sorrisinho com segundas ou terceiras intenções.

Bom, visto o esperado, vêem as surpresas. Todas deliciosas. Talvez a melhor delas seja a matéria onde o ex-padre tem que dizer “jornalisticamente” quem foi Jesus Cristo. Se as declarações de amor a Deus podem ser feitas de muitas formas, o autor certamente nos mostra uma das mais originais e agradáveis. Ele fala ( me arrisco a dizer que há semelhança com a santíssima trindade) de três maneiras de ver Jesus, como se Ele de letra maiúscula pudesse na verdade ser muitas pessoas, pois cada um vê com seus próprios olhos, ou seja, à sua maneira.

Destaquei esse ponto, mas a obra não tem nada de religiosa ou tem tudo pra nos mostrar que não há coisa alguma que não seja religiosa. O próprio autor diz que suas grandes devoções são Jesus Cristo e o Corintians, então espere um pouco de futebol também.

Mas, sobretudo, espere rir muito, pois o texto de Carlos Moraes é brilhante. Fluindo tranqüilamente nos leva a verdadeiras gargalhadas com suas ironias e metáforas. Quer dizer que você não vai conseguir ler de uma vez só, pois vai ter de parar várias vezes para retomar o fôlego, seja por um aperto no peito, uma intensa risada ou uma gostosa cosquinha na alma.

E agora que eu já falei do esperado e do inesperado, tenha certeza que ainda sobrou muito pra você descobrir em “Desculpe, eu sou novo aqui”. Há mais coisas entre textos como esse e o leitor do que supõe nossa vã sabedoria. Pois Deus sabe o que faz, Carlos Moraes sabe o que escreve e quem não leu não sabe o que está perdendo.
Gisela Cesario

Wednesday, April 29, 2009

Leite Derramado - Chico Buarque

Sobre o quê: Em seu leito de morte, um ancião de 100 anos e alguma coisa faz uma retrospectiva da sua vida. O passado tem como cenário um rio de janeiro marcado por grandes acontecimentos políticos, intensamente refletidos na vida da sociedade.

Crítica: Depois de tanto tempo sem fazer uma resenha, talvez essa seja a mais inútil das voltas. Elogiar o livro do Chico Buarque. Contar a todos a grande novidade: não há novidades. O autor fez o de sempre, foi brilhante.

E me faz feliz estar aqui, chovendo no molhado, dizendo que o texto de Chico é mais que prosa ou poesia, é musical de tão ritmado. Talvez por isso, da mesma maneira que desejamos ouvir várias vezes uma música boa, dá vontade de ler e reler os livros do Chico Buarque, como se estivéssemos simplesmente apertando o play.

Se antes o autor fazia músicas que contavam histórias, agora escreve história que cantam músicas. Palavras que, de tão perfeitas, soam como aquelas melodias que ganham novos sentidos e mais beleza a cada reprodução.

Há algo cíclico nos textos do Chico, que sacia uma sede que o próprio texto só faz aumentar. Ou aumenta uma sede que só o próprio texto pode saciar.

Um artesão de palavras. Assim é o autor que novamente nos presenteia com uma obra de arte. A vida de Eulálio, o velho moribundo que nas páginas vira menino inocente, jovem irresponsável, adulto ganancioso, sem nunca deixar de ser um homem apaixonado. Na história de seu amor perdido, ele perde também o poder, o dinheiro e a juventude.

Há algo de melancolia no livro de Chico, uma constatação cabisbaixa que a vida não se satisfaz em nos tirar a forma do corpo, os fios de cabelo, o brilho da pele, a vida faz questão, às vezes, de, antes de ir embora, nos tirar a própria dignidade.

A morte é o destino trágico de todas as vidas que, mesmo assim ou por isso mesmo, não precisam ser tão previsíveis e lineares. Podemos começar, terminar, recomeçar, parar no meio, voltar para outro ponto, como a memória caprichosa do velho personagem, como o texto perfeito de Chico Buarque. Cíclico, melancólico e irresistível como o próprio ato de viver.

Gisela Cesario