Wednesday, July 15, 2009

Um trem noturno para Lisboa

Sobre o quê: Mundus, professor de línguas clássicas em um liceu na Suíça, resolve, por causa do encontro com uma portuguesa, mudar completamente de vida. Então,após uma aula, ele simplesmente se levanta e decide ir para Lisboa a fim de fazer uma investigação tão complexa quanto o sentido da vida.

Crítica: Existem histórias cujas palavras nos acariciam, nos consolam, como um cafuné materno que afasta nossos problemas e nos certifica que está tudo bem. O fato de “Um trem noturno para Lisboa” ser uma dessas histórias não é o mais impressionante. O mais impressionante é que normalmente, histórias assim são “água com açúcar” e essa obra, apesar de doce, não tem nada de molenga, pelo contrário. É uma história principalmente de uma alma inquieta, que não encontra paz nem mesmo nos sonhos.
Mundus, o solitário professor, percebe que, abaixo da calma superficial de sua rotina de aulas, existe um maremoto de emoções a serem vividas, a serem ainda descobertas. E, para alguém absolutamente viciado em linguagem como ele, a percepção não poderia ter vindo de outra maneira a não ser por meio de uma palavra, uma simples palavra: português. Como não se identificar? Nosso personagem vinha passando por uma ponte quando vê uma mulher prestes a se suicidar. Ao iniciar uma conversa com ela, vem a resposta que indica a língua natal da possível suicida: português. Pronto. Ao ouvir o som da palavra com pronúncia lusitana ( muito diferente da nossa, é verdade), Mundus se apaixona perdidamente, não pela mulher, mas pela palavra. Não parece muito louco? Talvez não, todo bom leitor tem suas palavras prediletas, mas acho que poucos resolveram transformar suas vidas por uma delas.
Próximo passo, Mundus vai até uma livraria onde encontra, além de Fernando Pessoa, um livro de uma única edição, cujo autor chama-se Prado. Acostumado a traduções gregas e latinas, um dicionário de português não é nada para esse cara. E lá vai ele para casa, lutar com o texto, tentando entender a vida do português médico e revolucionário. Horas depois, ele está em um trem para Lisboa, a terra do português (sem piadinhas). É impossível não sentir um certo orgulho em ser um dos falantes dessa tão fascinante língua, pelo menos na opinião dele. Mas o autor faz muito mais do que nos mimar. Ao investigar a vida e os textos de Prado, Mundus nos leva por uma incrível aula de filosofia, pois cada escrito descoberto do português traz questionamentos ao mesmo tempo óbvios e surpreendentes, como quando uma criança nos faz perguntas desconcertantes para as quais já esquecemos de procurar as respostas. E é justamente essa inquietude dos questionamentos que pacifica a alma do leitor. Como pensar em nossos idiotas problemas quando as coisas mais importantes de todo universo, como a vida e a morte, estão ali, na nossa frente, descritas em belíssimas e deslizantes linhas, sugando nossa atenção?
Portanto, ler “Um trem noturno para Lisboa” não é somente lazer, é também terapia. Cheguei mesmo a tomar algumas decisões importantes levada pela impetuosidade dos personagens. Claro que não vou dizer como termina a busca de Mundus, simplesmente porque sua história não é daquelas que acabam no fim do livro. Ela fica conosco, nos reconfortando ou desassossegando, quando menos esperamos ou quando mais precisamos, em algum lugar entre o cérebro e coração.
Gisela Cesario