Monday, December 27, 2010

O fantasma de Stalin – Martin Cruz Smith

Sobre o quê: O detetive Arkady ( do Mistério do Parque Gorky) recebe uma estranha missão: investigar o aparecimento de Stalin em uma das estações de metrô de Moscou bem na época das eleições.

Crítica: Como os meus seletíssimos leitores sabem, não costumo lembrar nem dos livros que li, nem das resenhas que escrevi. No entanto, lembro perfeitamente de ter lido O Mistério de Parque Gorky, livro que consagrou o autor no mundo do suspense, e me recordo o quanto é absurdamente bom.

O problema é que não há nada pior para um livro do que um livro anterior do cacete. Li O fantasma de Stalin esperando no mínimo, o máximo. E me decepcionei feio.

Imagine uma pessoa que tem um armário cheio de roupas incríveis, todas elas poderiam compor um traje lindo, só que ele fuça um monte de peças e faz uma combinação caótica e inesperada.

Infelizmente, assim é o “Fantasma de Stalin”. A obra começa com o problema do aparecimento do fantasma juntamente com uma investigação de assassinato. Além disso, temos: uma criança de rua (exímio jogador de xadrez, adotado por Arkady), uma agência matrimonial cuja dona planeja o assassinato do marido, um triângulo amoroso entre Arkady, uma mulher da Chechenia e o candidato das eleições, um grupo de extermínio, agentes corruptos ( que não podiam faltar), ex-combatentes revoltados, marketeiros americanos e um monte de outras coisas que já esqueci, além de, claro, muita vodka, pois estamos na Rússia. Enfim, existem ingredientes mais do que suficientes para uma história incrivelmente inteligente ou incrivelmente enrolada. E infelizmente, o autor acabou por escolher, imagino que sem querer, a segunda opção.

O personagem Arkady parece estar sofrendo de esquizofrenia, pois assume diferentes personalidades de detetives famosos ao longo da história, em nada se assemelhando a ele mesmo no Mistério do Parque Gorky.

Como se não bastasse, a editora conseguiu realizar uma das piores traduções já vistas. Cheguei a marcar alguns trechos totalmente sem sentido pra reproduzir aqui, mas acabei desistindo de folhear o livro novamente.

Concluí que a forma nem precisaria ter atrapalhado, pois o conteúdo é suficientemente confuso.

Talvez tenha sido um erro querer reviver o Arkady. Talvez tenha sido o fantasma dele que matou “O fantasma de Stalin”.

Apesar de tudo, eu acredito em vida após o fracasso ou após o fantasma. Por isso, vou continuar sendo leitora de Martin Cruz Smith.

O autor, mesmo não tendo acertado dessa vez, ainda merece a nossa fé.
Gisela Cesario

Tuesday, November 23, 2010

No buraco – Tony Belloto

Sobre o quê: Um roqueiro fracassado está literal e metaforicamente no buraco, sem dinheiro e enterrado na areia da praia de Ipanema. De lá, ele nos narra seus piores e melhores dias de fama enquanto vive uma perigosa história de amor com uma chinesa possivelmente mafiosa.
Crítica: Em primeiríssimo lugar, antes de mais tudo preciso dizer que tem algo sobre a voz do Belloto na orelha do livro, o próprio autor deu entrevista no lançamento dizendo que encontrou sua voz, a primeira e única crítica que li dizia a mesma coisa: a voz do autor...Peraí, cara, esse negócio de ler um livro e ouvir vozes é coisa de Chico Xavier.

Pois é, o Tony Belloto é guitarrista e escritor, não necessariamente nessa ordem, e ninguém está duvidando disso. Isso de acreditar que existe a voz do autor, aquela que só é achada após um árduo trabalho literário é papo de escritor invejoso, crítico invejoso, jornalista invejoso ou ainda professor de português invejoso. Não há como chamar de preconceito com músico o que não passa de inveja. Aquele sentimento feio, sujo e malvadinho que só quer destruir o trabalho dos outros. Que a inveja exista, não me surpreende, me surpreendia pensar que um autor como Tony Belloto cairia nessa.

Devo ter alguma outra resenha dele, é um caso óbvio de talento, quem não acredita que um guitarrista pode também e muito bem escrever que vá ouvir a voz do tempo ou então um disco dos titãs. Me revoltou esse burburinho de vozes sobre o Tony Belloto ter ou não encontrado sua voz, também fiquei incomodada vendo o autor falar sobre a opinião dos outros escritores, como se ele estivesse fazendo um teste pra pertencer a uma confraria secreta.

Alguém com a capacidade narrativa dele nunca, jamais, em tempo algum deveria se preocupar com esse tipo de idiotice. Por isso, foi com um pouco de revolta que comecei a ler no buraco, esperando o autor escorregar na casca de banana dos críticos. Há diversas referências sobre escrever no livro e também sobre tocar, como se fosse finalmente o encontro de dois mundos.

Isso é meio irritante, porque o mundo é um só e as pessoas não estão carimbadas com suas profissões. Não era só do Raul Seixas o direito de ser uma metamorfose ambulante. E ninguém tem nada com isso. Passada a irritação e torcendo veementemente que o autor esqueça essa história de voz, a outra história, aquela que Tony conta No buraco só não surpreende porque ele já tinha surpreendido antes no primeiro livro. E essa é exatamente como as outras histórias que ele já escreveu: engraçada, verossímil, imprevisível e perfeita.

Não se engane pensando que não é um suspense, não se engane pensando que não é um deboche, não se engane, como eu, pensando que o Tony Belloto está ouvindo vozes demais. Tem piada, sacanagem, mistério, reflexão, amor, ódio, saudade, arrependimento, vício, alegria e, claro, tem surpresa também. Só pra surpreender quem achou que ia ouvir vozes. Está tudo lá “No Buraco”, no bom sentido..., do Tony Belloto.
Gisela Cesario

Monday, November 01, 2010

Livros de outubro: O vendedor de passados – Agualusa. O mistério das cabeças degoladas – Frei Beto.

O vendedor de Passados – Imagino o porquê existem tantas resenhas a respeito desse livro enquanto estou aqui, escrevendo mais meia, porque esse parágrafo não pode ser chamado resenha inteira. Pontos a destacar: linguagem poética, português angolano, narrador animal. Ë isso mesmo, o livro é narrado por uma lagartixa, ou osga, como deve se dizer por lá. Gostaria tanto de um glossário de português de lá pra português de cá, mas tudo bem. A obra é um delírio, com cores vivas, bonitas, passado num canto do mundo que parece até a Bahia de Jorge Amado, um lugar onde o tempo passa diferente, as osgas falam, os sonhos se confundem com a realidade e mentira contada diversas vezes acaba por se tornar verdade.

O mistério das cabeças degoladas- Frei Beto – Tente encaixar um quadrado perfeito num buraco perfeitamente redondo e você verá que nenhum dos dois tem nada de errado, eles simplesmente não se encaixam. Também não há nada de errado com a narrativa de Frei Betto, a história é verossímil, interessante, o texto tem a mistura de erudição e lirismo nas devidas doses . Porém a minha expectativa (só posso falar por mim) era redonda e o livro termina em quadrado. Tento explicar melhor: o nome frei Beto e a palavra suspense na mesma orelha de livro despertam uma esperança que não se satisfaz com o mistério das cabeças degoladas, falta algo ou talvez sobre. O autor nos sugere desvios para o mistério, como o assunto das crianças de rua ou uma possível história de amor, mas esses desvios são ruas sem saída, só nos resta voltar pro mistério depois de dar com a cara no muro. Acontece que, quando voltamos, estamos menos tensos e curiosos do que deveríamos, pois o autor mesmo nos distraiu. Um suspense deve ser inteiro pra ser perfeito, e inteiro é aquele em que tudo que se menciona na história se relaciona com o que se está desvendando. Não acho que isso seja fácil de fazer e se eu mesma soubesse como se faz não estaria aqui escrevendo essa mini-resenha. Porém era isso que eu esperava: perfeição. O mistério das cabeças degoladas é apenas humano, não é divino como seu autor.

Gisela Cesario

Saturday, October 09, 2010

O palácio de Inverno – Jonh Boyne

Sobre o quê: Georgui, hoje com 82 anos, se lembra bem como as guerras e as mudanças na Europa transformam sua vida sem serem capazes de abalar seus sentimentos.

Crítica: Quem vive num palácio de inverno tem pelo menos três certezas. Um dia ele não será mais palácio. Noutro não será mais seu. E, por fim, acabará o inverno.
Escrevi essa declaração enigmática quando terminei de ler o Palácio de Inverno de Jonh Boyne. Sinceramente, minha memória não me permite lembrar se escrevi a resenha de o menino do pijama listrado. Bom, pode-se dizer que ele começou absurdamente bem e não saiu do ritmo.
Mais: ele melhorou.
Ouso dizer que o Palácio de inverno é ainda melhor do que o menino do pijama listrado, simplesmente pelo fato de nos proporcionar mais momentos, de ser mais longo e complexo, demorar mais a terminar.
Normalmente, a complexidade não é algo que me atrai num livro. Prefiro histórias simples e lineares, menos prováveis de se cometerem erros. Porém, nem os nomes russos me afastaram dessa obra de John Boyne. Eu sabia que alguém que foi capaz de transformar o nazismo numa história de amizade não iria falhar diante um monte de nomes cheios de consoantes.
O Palácio de Inverno também fala das guerras e também fala da mesma maneira comovente, com os olhos, os ouvidos e principalmente a boca dos que vivem e não simplesmente emitem uma opinião.
Novamente, John Boyne nos mostra o lado real, onde não há o certo e o errado, os mocinhos e os bandidos, mas simplesmente seres humanos tentando tirar o melhor da posição que o destino lhes concedeu.
A sensibilidade do autor chega a parecer auto-biográfica. Se, no menino do pijama listrado, a historia era de amizade, aqui ela é de amor. Uma história mais forte que a guerra porque trata de um amor mais forte que todos os motivos da guerra.
O menino Georgui começa como um senhor de 82 anos e, sem querer estragar o livro para os que não leram, posso adiantar, ele conta somente uma história, a sua com a sua amada.
Dizer mais iria tirar um dos grandes prazeres de ler Jonh Boyne, saber que o amor é tão inevitável e tão inerente ao ser humano quanto a mais cruel das guerras. A diferença é que as guerras são como o inverno enquanto o amor, pelo menos segundo o autor, pode ser eterno.(rimou sem querer, juro.)
Gisela Cesario

Sunday, August 29, 2010

Livros de Julho: O Guerreiro Solitário, Atestado de Óbito e outro que eu não lembro o nome por motivos óbvios.

Aviso: Aos meus menos de 17 leitores, aviso sobre a mudança de formato nas resenhas que publico. Agora, em vez de falar sobre o último livro que li, farei um resumo do mês. Claro que, se algum exemplar valer uma resenha só pra ele, escreverei com prazer. Fora isso, pretendo apenas tecer breves comentários sobre cada obra, ficando calada também quando for o caso. É isso.

Julho: Em algumas épocas de nossas vidas, o suspense faz mais sentido que tudo. Pode-se dizer que eu estou em uma dessas épocas. Meu objetivo com as aquisições que fiz foi não pensar nos meus próprios problemas. Para isso, seria preciso que alguém me apresentasse problemas bem mais interessantes e, claro, com uma solução possível. Vamos ver como cada um se saiu.

Atestado de Óbito: Jenny, a atormentada personagem principal desse romance, proporciona excelentes momentos nos quais é possível se entregar totalmente ao texto, principalmente para quem se identifica com problemas psicológicos convivendo com problemas de trabalho e problemas de família. Porém, e infelizmente há um porém, nosso exemplar fica na média da maioria dos suspenses, com soluções pouco críveis, beirando o fantástico. Não que isso não seja normal. É. Por isso, o romance bate as asas, mas não decola.

O Guerreiro Solitário: Não sei por que, ou melhor, sei mas vou fingir que não, esse autor está sendo tão aclamado juntamente com seu nada extraordinário detetive. Wallander, o tal detetive, não tem nada demais e ainda promete o que não cumpre, coisa também não rara em suspenses médios, como esse. Deve ser muito difícil construir um tipo com personalidade como Poirot. O problema com Wallander é o que não acontece, o que ele sugere, como o relacionamento com uma mulher chamada Baiba, a qual não tem uma linha de fala no livro. Por que nos fazer esperar algo quando nada virá? Em termos de história, novamente temos uma solução mágica para algo que parecia, durante algumas páginas, bem real. Leia, se quiser se divertir, mas não espere se apaixonar.

Gisela Cesario

Thursday, May 20, 2010

Tudo pode dar certo – Woody Allen

Sobre o quê: Um velho inteligente e mal humorado conhece uma garota burra e bem humorada. Será que eles podem viver uma história de amor?

Crítica: Tudo pode dar certo?

Quando um filme começa com uma tradução tão propositalmente errada quanto essa, poucas são as chances de ele dar certo. O filme do Woody Allen se chama o que quer que dê certo ou qualquer coisa que dê certo ou ainda seja lá o que der certo e muitas outras opções de tradução, mas não, ele não se chama tudo pode dar certo.
Dito isso, vamos à crítica, se é que isso é necessário depois dessa introdução. Tudo pode dar certo tem tudo pra dar certo, afinal foi Woody Allen quem escreveu e dirigiu, fora isso, é passado em nova Iorque, tem uma atriz loura e bonita, tem diálogos engraçados. Será que Woody Allen é só isso? Foi o que fiquei pensando ontem depois de assistir ‘whaterver works”.
Talvez o fato que vou contar agora tenha me influenciado. Essa história não é nova.( E qual é???), Bom, ela estava no fundo da gaveta do autor há muitos e muitos anos quando ele resolveu desenterra-la e leva-la para o cinema. Não sei se foi isso que me fez ver o filme como se fosse um rascunho ruim de “noivo neurótico e noiva nervosa”. O que posso dizer do fundo do meu coração é: aquela coisa não é Woody Allen. É alguém que ele foi antes de ser ele ou alguém que ele é hoje em dia, depois de ser ele, entendem? Sei que é complicado, mas se tornar um diretor de sucesso numa Hollywood de cenas de ação, carros amassados e 007s não deve ter sido fácil. Por isso, os primeiros filmes dele são tão extraordinariamente bons, eles tinham que ser, ou não seriam nem filmados. Ser Woody Allen hoje, quase 40 anos depois, é bem diferente. Hoje ele é aquele cara que faz você rir antes de contar a piada.
Pra se ter uma idéia do que eu digo, das 5 pessoas que estavam antes de mim na fila, zero sabiam o nome do filme, só disseram que queriam ver o filme do Woody Allen, tanto que quando eu falei ingenuamente “tudo pode dar certo” pra bilheteira ela ficou me olhando e teve de racionar até ligar o nome à pessoa.
Foi exatamente isso que fez esse roteiro sair da gaveta. Hoje em dia, pouco importa, é dele, será visto, vende. As piadas não são ruins, mas algumas são vergonhosamente velhas. No entanto, a esperança woodyallenana nos faz acreditar que haverá um final ou algo que transforme aquele monte de diálogos e cenas engraçadinhas num filme do nosso diretor. É quando chega a hora de lembrar da frase inicial do filme, como um oráculo, ele prevê: você não vai se sentir melhor depois desse filme. Sabe por quê? Porque esse não é um filme digno dele. Todo mundo se sente melhor depois de um bom filme, não importa se é uma comédia hilariante ou um dramalhão, filme bom é aquele que faz você se sentir melhor, mesmo que isso lhe provoque lágrimas.
Depois de um filme bom, você sente que aquelas duas horas que passou no cinema foram extremamente importantes e, sem elas, você não seria o que é hoje, porque um filme bom te torna uma pessoa melhor.
Esse é ponto, é por isso que ele diz que você não vai se sentir melhor. E talvez essa seja a melhor parte do filme, pelo menos é a única que tem realmente a genialidade do Woody Allen. O resto é infantil, é pré ou pós algo que mereceu nossos aplausos. Normalmente, a velhice chega ridícula, mas pelo menos é mais sábia. Uma velhice com a inexperiência de um adolescente é, no mínimo, um vexame. Tristemente, essa é a minha definição para whatever works. Nothings worked.

Gisela Cesario

Friday, April 09, 2010

O Olhar cingindo – Flavio Braga

Sobre o que: Um apresentador de um programa de tv sensacionalista luta pela audiência com um rival similar, mas a verdadeira briga parece ser quem atinge o mais baixo nível com atrações bizarras, uma enorme coincidência com a nossa realidade.

Crítica: Tenho andado preguiçosa para resenhas, se não me engano, já se passam 4 ou 5 livros desde a última, mas esse livro, de edição amarela, e a estranha palavra “cingido” no título me fizeram sentir obrigação de relatar a deliciosa experiência de ler Flavio Braga, autor até então desconhecido pela minha imensa ignorância.

Vamos ao livro: a proposta de mostrar a disputa entre dois canais de baixo nível é tão promissora que a gente quase sente que a autor vai escorregar e cair de cara num lugar comum ou numa chatice sem fim. Leitores experientes e realistas como eu sabem que nem sempre uma ótima idéia resulta num ótimo livro. Pois nesse caso resultou. O autor não só cumpre sua promessa como nos surpreende criando um personagem tão real que quase esperamos vê-lo ao ligar a tv.

Fredo Bastos, o tal apresentador-personagem, é um cara que você certamente conhece, você pode até ser um pouco Fredo Bastos. Ele é aquele cara que perdeu a noção, vestiu a camisa e a cueca da empresa, vendeu a alma, a mãe e a alma da mãe, tudo pelo sucesso, não só pelo dinheiro, mas pelo gostinho de se achar um ser de uma raça superior. E que ambiente seria mais adequado para se desenvolver um indivíduo dessa espécie do que a televisão?

“O Olhar cingido” tem gosto do big brother do big brother, ou seja, é a baixaria que está por trás da baixaria que passa na tv, portanto é real e infinitamente mais divertido. Mas o Fredo, como toda caricatura, tem seus momentos angustiados, tristes, até humanos. Momentos esses que dão à história o realismo de dor que toda comédia precisa.

Sei que tenho sido muito boazinha com meus autores, é que estou poupando as resenhas de livros ruins...(prometo ser cruel com o próximo), mas preciso dizer que o livro de Flavio Braga merecia um ibope altíssimo se tivesse sido adequadamente promovido.

Como ele próprio nos mostra, muitas vezes, os melhores programas não estão nos maiores canais nem nas prateleiras de mais vendidos.

Gisela Cesario

Wednesday, February 24, 2010

Amor sem escalas – Walter Kirn

Sobre o quê: É a história da vida de um executivo que passa a maior parte do tempo viajando. Sua missão é demitir altos executivos de grandes empresas com o mínimo de estrago possível ( para a empresa, é claro). Sua maior preocupação é alcançar a meta de mil milhas viajadas.

Crítica: O fato de eu ser publicitária não me impede de enxergar o estrago que a propaganda é capaz de fazer quando usada indevidamente. O livro de Walter Kirn rapidamente se transformou em um produto altamente vendável depois de ter virado filme, mas foi o filme o primeiro a estraga-lo, fazendo com que o consumidor esperasse romance onde a história é, literalmente, outra. Não somente o título em português não tem nada a ver com o inglês “up in the air’, como também as imagens que divulgam o filme (o qual não sei se vou ver) passam uma idéia que vamos assistir a uma linda comédia romântica com o charmoso George clonney. Acontece que não há romance em “Amor sem escalas”, veja bem, não estou dizendo que há pouco romance, estou sendo enfática: NÃO existe história de amor no livro. Óbvio que isso jamais teria me incomodado se eu não tivesse visto as propagandas do filme e lido o título em português. Foi o que me fez ficar esperando algum romance ou dar importância a trechos que não tinham importância, prejudicando inclusive o julgamento sobre a qualidade da história.
Como já vi muitos anúncios serem destruídos em reuniões até virarem um lixo completo, imagino que Walter Kirn não teve culpa, não foi ele quem me prometeu tanto amor. Seu “up in the air”, lido sem falsas expectativas, proporciona ótimos momentos.
Ryan, o personagem central, é simplesmente o resultado de tudo que a vaidade do mercado de trabalho faz com todos nós. Ele nos mostra toda a tristeza e a agonia que a felicidade de um ótimo emprego proporciona, como se suavemente removesse o véu de cinismo presente nos discursos de pessoas teoricamente bem sucedidas. É um processo incrivelmente doloroso, mas isso, a dor, somente é percebida no final do livro, quando as observações de Ryan já nos fizeram sorrir bastante, principalmente ao identificar momentos e pessoas conhecidas, que mudam de empresa, de país, mas não de personalidade.
O autor consegue realizar um verdadeiro raio x da alma humana quando o corpo está de terno. As ambições, os limites, os sonhos e, mais do que tudo, a tristeza de fazer parte desse jogo vão sendo lentamente reveladas. E enquanto o leitor vai rindo, vai também sentindo a angústia de vender a alma ao patrão, seja ele quem for. A parte mais engraçada, no entanto, é perceber que o próprio autor também teve seu momento de Ryan, de profissional, de todos os nós, ao permitir que sua linda história desse origem a uma bobagem hollywoodiana. Talvez ele soubesse, em algum lugar profundo da sua perturbada alma executiva, que quem quisesse encontrar a verdade iria procurar na livraria, não no cinema.

Friday, January 29, 2010

Um homem chamado Jesus – Frei Beto

Sobre o quê: Frei Beto conta uma história que todos conhecemos ou já ouvimos falar: o Novo Testamento. A diferença é tom de romance de ficção, onde Jesus é o personagem principal.

Crítica: Me sinto meio idiota fazendo uma crítica da história de Jesus, então vamos deixar claro que o que avalio aqui é o texto do Frei Beto. Agora não me sinto mais ridícula nem idiota, só serei repetitiva em dizer o quanto o autor escreve divinamente. Confesso que nunca, apesar de inúmera tentativas, cheguei a ler a bíblia. Sou católica e tudo que conheço do novo ou do antigo testamento são os trechos que ouço na missa. Imagino que uma grande quantidade de pessoas sofra do mesmo mal: preguiça de entender melhor a história. Cada vez que ouvimos um pedaço do discurso do padre, tentamos juntá-lo a outros pedaços, mas na verdade não sabemos a ordem certa das coisas, pois a leitura dos textos segue o nosso calendário e não a ordem dos acontecimentos na vida de Jesus.
A cronologia é um dos grandes acertos do autor. Uma coisa tão óbvia e me parece que jamais alguém tenha pensado nisso. Ao contar a história de Jesus do início até os dias de hoje, Frei Beto nos espanta com a simplicidade que é reconhecer início, meio e fim numa trajetória que sempre nos pareceu conturbada, cheia de idas e vindas,num misto de narrativas dos apóstolos com ensinamentos de catecismo e homilias confusas. Na verdade, é errado falar em fim quando se trata da história de Jesus e, lamento estar estragando o final do livro, mas o maior acerto do autor é nos fazer entender a dimensão da eternidade da missão divina, ou, se não entender, pelo menos acreditar, já que também nos ensina o livro que a fé não se trata de compreensão e sim de crença. Por mais que eu fale, acho que não conseguirei contar todos os ensinamentos com que o autor nos presenteia, são coisas que todos nós pensamos que já sabemos, mas só descobrimos de verdade ao entender o quanto não sabemos. É como se, ao vislumbrar um enorme horizonte a ser percorrido, conseguíssemos finalmente perceber o quanto do caminho já foi feito. A história de Jesus contada por Frei Beto não é só a história de Jesus, é uma maneira de revelar a história da humanidade por um olhar diferente de tudo, inclusive da bíblia. Ao humanizar Jesus Cristo, Frei Beto repete a intenção divina de nos fazer entender nossa criação segundo Sua imagem e semelhança. Por isso, ler Um homem chamado Jesus promove uma verdadeira transformação do leitor em apóstolo, aprendiz de alguém muito sábio. Um autor chamado Frei Betto.

Gisela Cesario