Wednesday, February 24, 2010

Amor sem escalas – Walter Kirn

Sobre o quê: É a história da vida de um executivo que passa a maior parte do tempo viajando. Sua missão é demitir altos executivos de grandes empresas com o mínimo de estrago possível ( para a empresa, é claro). Sua maior preocupação é alcançar a meta de mil milhas viajadas.

Crítica: O fato de eu ser publicitária não me impede de enxergar o estrago que a propaganda é capaz de fazer quando usada indevidamente. O livro de Walter Kirn rapidamente se transformou em um produto altamente vendável depois de ter virado filme, mas foi o filme o primeiro a estraga-lo, fazendo com que o consumidor esperasse romance onde a história é, literalmente, outra. Não somente o título em português não tem nada a ver com o inglês “up in the air’, como também as imagens que divulgam o filme (o qual não sei se vou ver) passam uma idéia que vamos assistir a uma linda comédia romântica com o charmoso George clonney. Acontece que não há romance em “Amor sem escalas”, veja bem, não estou dizendo que há pouco romance, estou sendo enfática: NÃO existe história de amor no livro. Óbvio que isso jamais teria me incomodado se eu não tivesse visto as propagandas do filme e lido o título em português. Foi o que me fez ficar esperando algum romance ou dar importância a trechos que não tinham importância, prejudicando inclusive o julgamento sobre a qualidade da história.
Como já vi muitos anúncios serem destruídos em reuniões até virarem um lixo completo, imagino que Walter Kirn não teve culpa, não foi ele quem me prometeu tanto amor. Seu “up in the air”, lido sem falsas expectativas, proporciona ótimos momentos.
Ryan, o personagem central, é simplesmente o resultado de tudo que a vaidade do mercado de trabalho faz com todos nós. Ele nos mostra toda a tristeza e a agonia que a felicidade de um ótimo emprego proporciona, como se suavemente removesse o véu de cinismo presente nos discursos de pessoas teoricamente bem sucedidas. É um processo incrivelmente doloroso, mas isso, a dor, somente é percebida no final do livro, quando as observações de Ryan já nos fizeram sorrir bastante, principalmente ao identificar momentos e pessoas conhecidas, que mudam de empresa, de país, mas não de personalidade.
O autor consegue realizar um verdadeiro raio x da alma humana quando o corpo está de terno. As ambições, os limites, os sonhos e, mais do que tudo, a tristeza de fazer parte desse jogo vão sendo lentamente reveladas. E enquanto o leitor vai rindo, vai também sentindo a angústia de vender a alma ao patrão, seja ele quem for. A parte mais engraçada, no entanto, é perceber que o próprio autor também teve seu momento de Ryan, de profissional, de todos os nós, ao permitir que sua linda história desse origem a uma bobagem hollywoodiana. Talvez ele soubesse, em algum lugar profundo da sua perturbada alma executiva, que quem quisesse encontrar a verdade iria procurar na livraria, não no cinema.