Saturday, October 29, 2011

Kafka à beira mar- Haruki Murakami

Sobre o quê: Um menino de 15 anos que resolve fugir de casa simplesmente para ser livre. Um senhor que, depois de uma espécie de ataque nuclear, se tornou analfabeto, mas consegue se comunicar com gatos. Aparentemente paralelas, as duas história se encontram no infinito mágico criado por Murakami.

Crítica: Sei que preconceito é feio e errado, mas infelizmente isso não me torna menos preconceituosa. Tenho um pé atrás com tudo que é japonês, filme, livro, nem amendoim japonês eu curto. No entanto, um grande amigo meu que tem ótimo gosto me jurou de pés juntos que “Kafka à beira mar” era maravilhoso, ótimo e ainda teve uma palavrinha decisiva. Ele disse que era absurdo. Não resisto a um absurdo, nem a um livro de presente, por isso, sem abandonar minha desconfiança, resolvi ler o livro do Murakami.

Realmente absurdo é a palavra chave pra definir a história. E o engraçado é que quando você pensa, ah, era disso que ele estava falando quando usou o termo absurdo vem um absurdo maior ainda. Como assim? Bom, um menino de 15 anos ter um amigo imaginário chamado corvo é um pequeno absurdo se comparado ao fato de ter havido um tipo de ataque nuclear onde crianças ficam paralisadas e, minutos depois, voltam ao normal, todas menos uma. Isso também não é um grande absurdo quando se pensa que essa única criatura hoje em dia não sabe nem ler, refere-se a si mesmo na terceira pessoa (“Nakata não pensa direito..”), mas conversa com gatos e vive disso, pois ganha dinheiro encontrando gatos perdidos. E por mais que se imagine que a gente pode se acostumar com absurdos, isso é mentira, porque aqui cada absurdo tem o dom de surpreender o leitor e deixá-lo viciado, virando as páginas quase doentiamente em busca do próximo absurdo.

Muito embora seja recheado de maluquices, o livro de Murakami nada tem de ficção científica ou conto de fadas, nem parece com Jaspion. O mundo de “Kafka à beira mar” não confronta a realidade. Ele a recria. Tudo se torna possível e faz muito sentido. Nessa viagem fantástica do menino Kafka e do senhor Tanaka em busca de um sentido para vida, existe algo que desvenda os lugares mais secretos da alma humana, onde a realidade de cada um nada mais é que uma inconfessável verdade. Seja inconfessável porque absurda ou porque sonho ou porque indistinguível das loucuras do mundo real.

Kafka a beira mar só começa a fazer sentido quando o leitor deixa de procurar o sentido, quando, depois de ser açoitado por uma sequência de acontecimentos inacreditáveis, finalmente se entrega a um fato muito simples. A realidade não existe, portanto tudo pode ser normal ou absurdo. É exatamente quando as surpresas deixam de surpreender o leitor que ele percebe a grande e final surpresa do livro de Murakami, a de que ele, leitor, foi engolido pelo mundo louco ou absolutamente lúcido do livro.

Mundo esse que, de tão mágico, não te abandona na última página, mas diz baixinho no seu ouvido que vai estar sempre ali, pronto quando você quiser voltar porque se cansou desse mundo real, tão chato e tão absurdo.
Gisela Cesario