Wednesday, June 22, 2011

Nunca vai embora - Chico Mattoso

Sobre o quê: Um dentista cansado da sua rotina e apaixonado por sua namorada cineasta resolve atender a um pedido dela. Ir para Cuba explorar as possibilidades de um documentário. Mas a viagem se transforma numa busca incessante e totalmente inesperada.

Crítica:
Coincidentemente ou não ( e não foi por coincidência que eu comecei assim), antes de ler esse livro me surpreendi com um poema que eu não conhecia do Paulo Leminsky sobre o barro. É assim: “ O barro toma a forma que você quiser. Você mal sabe estar fazendo aquilo que o barro quer.” O verso me deu um baque, daqueles que fazem ler várias vezes e sacudir a cabeça para entender o lugar onde o texto te fez parar. No mundo dessa poesia de Leminsky, é o destino quem manda e pronto. A gente só pensa estar fazendo o que quer.

E foi assim que eu entrei numa livraria e agarrei “Nunca vai embora”. A primeira impressão foi que havia algo errado no título, como o livro parecia ser sobre um cara correndo atrás da mulher, imaginei que deveria ser nunca vá embora, mas resolvi comprar assim mesmo.

A história é mais uma daquelas em que o texto fala mais do que a própria história. A trama, basicamente, é um pretexto para que você conheça as paranóias do personagem, a sua visão do mundo.

O que acontece só é importante e fascinante porque acontece com ele , é a narrativa que transforma uma perseguição sob sol de Cuba na caça ao sentido da vida, tão comum a todos nós.

No livro do Mattoso, os fatos não ocorrem simplesmente, eles atropelam o nosso já tão confuso dentista, que, claro, passa por uma crise existencial daquelas que não passa nunca.

No meio da estadia, ou no pior da estadia, justamente no momento em que ele pensava em ir embora, ela faz isso primeiro. Desaparece da vida dele, ao mesmo que faz a vida dele aparecer pra ele. É só a partir disso, que Renato ( o nome do dentista) começa a se enxergar, é procurando Camila ( o nome da cineasta) que ele começa a ver o caminho escondido do seu destino.

No começo do livro, há um momento marcante em que ele compara a namorada a uma barreira, a qual impede que o mundo chegue até ele, o que ele percebe depois é que ele também não tinha acesso a esse mundo. Mas o que isso tem a ver com o barro e o destino e o Leminsky? Hein? Calma, vou explicar.

É preciso perceber primeiro que ele idolatra a namorada e parece ter medo que ela descubra o quanto ele é inferior e ela é incrível. Tentando descobrir o que ela teria visto nele, ele fala que a cumplicidade deles começou por causa dos comentários que ele fazia sobre o filme “Chinatown”, filme esse que deu origem a um outro chamado “Chave do Enigma”.

Eu tinha dito calma, não tinha? Então, vou chegar lá. Enquanto os dois discutiam esse último filme ele interpetra uma frase do personagem principal: “Nunca vai embora” é a frase. Pra ele, esse foi o momento que fez ela se apaixonar. A interpretação é a seguinte: nunca vai embora se refere “à resignação de um homem cansado de se debater contra uma força que é muito maior que qualquer um de seus dons”. Pronto. Cheguei no Leminsky. É a força do barro, do destino, daquilo que, mais do que qualquer vontade, obriga você a fazer o que ele quer e nunca vai embora, pelo menos enquanto você viver.

Não me espanta que a cineasta tenha amado um cara teoricamente sem graça por causa dessa frase. Ela, sem dúvida, me ajudou a amar o livro. E por isso também a história não importa muito, chega uma hora em que há muito mais descobertas a serem feitas do que o paradeiro da Camila. Descobrir o porquê de tudo, por exemplo. Descobrir por que eu escolhi esse livro, por que gostei e por que, depois de tanto tempo, me obriguei a escrever outra resenha.

Talvez escrever não seja propriamente um dom, mas seja uma força muito maior do que todos os dons de quem escreve. E no fundo, estou fazendo somente aquilo que o texto quer.
Gisela Cesario