Tuesday, February 26, 2013

Barba ensopada de sangue - Daniel Galera

Sobre o quê: Depois do suicídio de seu pai e de saber das estranhas circunstâncias do fim do seu avô, um professor de educação física decide se mudar para a Garopaba a fim de investigar não só as razões da morte do antepassado, mas também as da sua própria vida. Como companhia, a cachorra que era do pai e uma incapacidade crônica de memorizar rostos.


Crítica: Já tinha ouvido falar em Daniel Galera. Sabia que era um autor novo, com um estilo diferente, que havia aparecido num romance chamado “Mãos de Cavalo”, muito embora a minha deficiente memória me impeça de lembrar se já o tinha lido ou não.

E foi nesse clima de ódio ao esquecimento que comecei a me identificar com o protagonista de “Barba ensopada de sangue”, um cara com um problema neurológico que o impede de guardar o rosto de alguém por mais de 15 minutos. Não tenho nada tão grave, mas experimente vir falar comigo depois de 15 meses...Além disso, o título e capa, que dá vontade de espremer pra sair sangue, prometem assassinar a monotonia com requintes de crueldade.

Acontece que “Barba ensopada de sangue” faz muito mais do que cumprir sua promessa e acaba por trazer revelações bem mais profundas do que faria um esperado suspense.

A narrativa segue um ritmo enérgico e, ao mesmo tempo, incrivelmente firme, sem atropelos, que confirma uma das críticas feita ao livro, a de que “o autor caminha decididamente e sem pressa, na certeza de chegar aonde quer”.

A prosa do autor impecável flui daquela maneira deliciosa que nos dá saudade do livro bem antes de terminá-lo. Sempre digo que existem histórias que nos fazem querer habitar nelas pra sempre. Essa, sem dúvida é uma delas.

No paradisíaco cenário de Garopaba, nosso protagonista ( que não tem nome e está em busca da verdadeira identidade) vive casos de amor, brigas, momentos de paz, alegria, desespero, mas vive principalmente o mistério que o traz ali: saber como morreu ou desapareceu o avô que era a cara dele, cara essa da qual ele mesmo não lembra e com a qual se espanta toda vez que encontra um espelho.

Em vários momentos, esperei que Daniel me decepcionasse e relatasse algo macabro estilo história de terror ou então se perdesse em uma das muitas fugas do seu personagem.

Porém a grande magia desse romance é nos conduzir com uma narrativa incólume e segura por um universo que parece não ter nada além de dúvidas, onde somente o autor detém impassivo o controle absoluto de um desfecho certo e inevitável.

Por que niguém admite que conheceu seu avô? Por que a cidade inteira finge sofrer de amnésia? Por que o protagonista não desiste? As respostas de tantas perguntas parecem estar na falta de sentido em geral da vida.

Sem se afastar da intensidade de sua busca, o professor de educação física esquecido se embrenha por fascinantes rotas filosóficas, investigando o destino, o livre arbítrio, a existência de Deus e o que mais você imaginar.

Portanto, pra quem espera somente um mistério, é bom avisar que o livro de Daniel Galera traz muitos mistérios. E o maior deles talvez seja sua própria perfeição.

Gisela Cesario