Saturday, November 22, 2014

E aí, comeu? - Marcelo Rubens Paiva


Sobre o quê: Três amigos enfrentam os diversos altos e baixos de suas vidas amorosas sempre se encontrando e fazendo divertidas reflexões sobre o que acontece, especialmente porque um deles acabou de se separar ainda está decidido se come a vizinha menor de idade ou volta com a ex.

Crítica: Ainda bem que não vi o filme. É isso que estou pensando agora que acabei de ler o livro. Eu sempre penso ainda bem que não vi o filme quando gosto do livro. Normalmente porque o filme dura uma hora e meia ou duas e o livro leva pelo menos uns dias, dessa vez não foi bem assim. Vou começar do fim, do fim do livro que me levou a esse começo.

Tava na livraria, no estágio desespero III, quando você já olhou todos os lançamentos, todos os policiais, todos os romances estrangeiros e mergulhou na literatura brasileira em busca de algum João Ubaldo esquecido, uma coletânea de contos do Rubem Fonseca, qualquer coisa pra esquecer o mundo. Aí bati de frente com “E aí, comeu?”. Juro que não sabia que esse livro existia, pensei que tinha nascido peça de teatro,virado filme, na hora pensei, claro, estão explorando o último filão da comunicação, fazendo o caminho inverso, o filme ou peça que vira livro.

Dei uma rápida folheada pra ver se não era uma peça escrita, tipo cenário, entra alguém, sai cortina preta, ler peça é o fundo do poço. Não era, alívio, não tive vontade de ler a orelha pra ver sobre o que era, já sabia, ou pensava que sabia, porque já tinha visto milhões de vezes falarem sobre a peça no jornal. Porém, sou tarada por orelhas de livros em busca de informações novas e foi aí, justamente aí que descobri. Marcelo Rubens Paiva casou. Quando? Não sei. Não diz.

Você, amiga leitora, que cresceu achando que um dia daria pro Marcelo Rubens Paiva, ouça essa. Ele está com 55 anos, tipo quase 60, e tem um lindo bebê, sério, estava escrito um lindo bebê chamado Joaquim. Será que teriam dito se o bebê fosse feio? Marcelo Rubens Paiva é casado e tem um bebê horroroso, careca, desdentado, chamado Joaquim. Pra que dizer lindo bebê? Parece uma tentativa de elogio, tipo, esse cara, finalmente, aos 45 do segundo tempo, com 55 anos, conseguiu ter um filho. Um lindo bebê. Deve ter uma linda esposa. Uma linda vida. Nem dá pra entender por que ele escreveu isso e não “O apanhador no campo  de centeio”.

Tive uma raiva absurda quando li essa maldita orelha. Uma raiva que me fez tomar uma atitude ainda mais ridícula que a orelha. Ridícula e vingativa. Pensei, vou ler, tenho que ler. Adoro tudo que esse cara escreve desde quando eu tinha 13 anos, li até “ua brari”, acho que é isso, um livro muito chato, que eu só li porque tinha a foto do Marcelo na contracapa. Faço parte de uma geração que iniciou a vida lendo “Feliz ano velho” e sonhando em beijar o Marcelo Rubens Paiva, uma geração feminina que se derreteu lendo as sacanagens dele em todos os livros, que riu de todas as frases meio machistas e ainda achou uma gracinha.

Para minha geração, se é que ela existe, se é que não sou só eu essa geração, esse cara nunca podia casar, muito menos envelhecer e jamais, em tempo algum, ter um lindo bebê.

E pra terminar de dissolver minhas fantasias, ele coloca no lindo bebê um nome de dono de padaria! Na boa, não vou usar uma hashtag dizendo prontofalei, mas acho que expressei perfeitamente minha opinião pessoal, pra dizer o mínimo.

Comprei o livro com raiva, acho que com raiva da realidade, mandei embrulhar pra presente e colocar uma etiqueta de troca. Claro que tava pensando em ler em duas horas e devolver no dia seguinte, só de raiva, vingança, queria ver o livro se empoeirando até ir pra última prateleira da literatura brasileira, aquela onde ninguém se abaixa pra ver o que tem.

Porém, são cinco da manhã (não li de noite, e sim de madrugada) e estou vindo a público, se é que se pode chamar meus leitores de público, para me redimir. Fizeram uma enorme injustiça com “E aí comeu?”.

Todas as vezes que eu li sobre a peça ou o filme era sempre a mesma coisa, amigos num bar revelam seus sentimentos machistas sobre os novos tempos, as mulheres, blábláblá, sempre tive a impressão de uma cena única, com várias lembranças que dariam umas cenas paralelas e sempre imagineis diálogos cheios de palavrões e baixarias, uma coisa meio idiota mesmo, e aí via uma mulher falar da peça ou do filme e dizer que ficou envergonhada, que tem que ser liberal pra gostar. Ou eu sou muito maluca, ou o mundo é feito de papagaios ou as duas coisas.

 É uma história, preciso repetir isso.

“E aí comeu” é uma história. Não é uma divagação sobre os tempos modernos e as comidas modernas, é uma história em primeiro lugar, é um romance, uma narrativa, coisas acontecem do começo até o fim.

E claro que não foi descriminado por causa do título ou porque era machista, mas sim porque tem como fio condutor o dilema de um cara mais velho em comer ou não uma adolescente menor de idade. Só isso. Será que ninguém podia ter dito?

Só isso já me surpreendeu, ver que não eram contos, ou um papo eterno, mas algo linear, uma sucessão de acontecimentos. Li em menos de duas horas, o livro se vingando do filme, e, repetição das repetições, adorei.

Adorei porque não é machista, não é vulgar, não é bobo.

É sensível, tem horas que é até mulherzinha, e é engraçado, muito engraçado, de um humor fino, a ironia que fez o autor ser quem é, a mesma ironia, um tema pouco novo, mas de uma diversão incansável, assim como não se enjoa de amor, não se enjoa de sexo, não dá pra enjoar do estilo do Marcelo Rubens Paiva, que não mudou nem um pouco nesse livro, graças a Deus. Não é baixo, nem evoluído, é simplesmente do cacete, como sempre foi. Que bom.

Então, eu, ré confessa e arrependida, vou arrancar a etiqueta de devolução, vou emprestar a amigas de quem gosto, vou ficar com ele na prateleira anos, um dia vou doar pruma biblioteca e anos depois vou comprar de novo num sebo, vou fazer o que sempre fiz com os livros do autor, namorar eternamente.

O dia está clareando e estou me sentindo um pouco melhor, o mundo não mudou tanto só porque o Marcelo Rubens Paiva foi chamado de machista por causa do título de uma peça, tem 55 anos, é casado e tem um lindo bebê chamado Joaquim, o mundo para onde ele nos leva continua igual e delicioso de se viver do mesmo jeito de quando éramos todos adolescentes, solteiros e sonhadores.


Gisela Cesario

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