Sobre
o quê: Depois do suicídio de seu pai e de saber das estranhas circunstâncias do
fim do seu avô, um professor de educação física decide se mudar para a Garopaba
a fim de investigar não só as razões da morte do antepassado, mas também as da
sua própria vida. Como companhia, a cachorra que era do pai e uma incapacidade
crônica de memorizar rostos.
Crítica:
Já tinha ouvido falar em Daniel Galera. Sabia que era um autor novo, com um
estilo diferente, que havia aparecido num romance chamado “Mãos de Cavalo”,
muito embora a minha deficiente memória me impeça de lembrar se já o tinha lido
ou não.
E
foi nesse clima de ódio ao esquecimento que comecei a me identificar com o
protagonista de “Barba ensopada de sangue”, um cara com um problema neurológico
que o impede de guardar o rosto de alguém por mais de 15 minutos. Não tenho
nada tão grave, mas experimente vir falar comigo depois de 15 meses...Além
disso, o título e capa, que dá vontade de espremer pra sair sangue, prometem
assassinar a monotonia com requintes de crueldade.
Acontece
que “Barba ensopada de sangue” faz muito mais do que cumprir sua promessa e
acaba por trazer revelações bem mais profundas do que faria um esperado
suspense.
A
narrativa segue um ritmo enérgico e, ao mesmo tempo, incrivelmente firme, sem
atropelos, que confirma uma das críticas feita ao livro, a de que “o autor
caminha decididamente e sem pressa, na certeza de chegar aonde quer”.
A
prosa do autor impecável flui daquela maneira deliciosa que nos dá saudade do
livro bem antes de terminá-lo. Sempre digo que existem histórias que nos fazem
querer habitar nelas pra sempre. Essa, sem dúvida é uma delas.
No
paradisíaco cenário de Garopaba, nosso protagonista ( que não tem nome e está
em busca da verdadeira identidade) vive casos de amor, brigas, momentos de paz,
alegria, desespero, mas vive principalmente o mistério que o traz ali: saber
como morreu ou desapareceu o avô que era a cara dele, cara essa da qual ele
mesmo não lembra e com a qual se espanta toda vez que encontra um espelho.
Em
vários momentos, esperei que Daniel me decepcionasse e relatasse algo macabro
estilo história de terror ou então se perdesse em uma das muitas fugas do seu
personagem.
Porém
a grande magia desse romance é nos conduzir com uma narrativa incólume e segura
por um universo que parece não ter nada além de dúvidas, onde somente o autor
detém impassivo o controle absoluto de um desfecho certo e inevitável.
Por
que niguém admite que conheceu seu avô? Por que a cidade inteira finge sofrer
de amnésia? Por que o protagonista não desiste? As respostas de tantas
perguntas parecem estar na falta de sentido em geral da vida.
Sem
se afastar da intensidade de sua busca, o professor de educação física
esquecido se embrenha por fascinantes rotas filosóficas, investigando o
destino, o livre arbítrio, a existência de Deus e o que mais você imaginar.
Portanto,
pra quem espera somente um mistério, é bom avisar que o livro de Daniel Galera
traz muitos mistérios. E o maior deles talvez seja sua própria perfeição.
Gisela
Cesario
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