Sobre o quê: Filho de um cardiologista, Tommy é um menino de 12
anos, que já se sente diferente por ter problemas de coração. Quando descobre que
sua mãe se suicidou, sua noção de estranhamento ganha novos contornos. A partir disso, ele se aprofunda em seu
próprio universo, aperfeiçoando o hábito de gravar conversas de adultos . E, da mesma forma que mantém esse segredo, também sua
família, formada pelo pai, a madrasta e a meia irmã, convive mais com o não-revelado do que com o que é dito.
Crítica: No creo en prioridades, pero que las hay, las hay. Não
tenho a menor ideia por que comecei esse texto dizendo isso, mas imagino que é
porque estou há meses para escrever essa resenha e estava quase indo pra outra
quando pensei que seria muito injusto não registrar a excelência dessa obra.
Depois de examinar as orelhinhas do livro antes de comprá-lo,
decidi que ia gostar de ler porque me identifico com pessoas esquisitas e
solitárias, como o menino do livro, pensei que fosse só mais uma daquelas
histórias cheias de reflexões, sobre como o mundo não é receptivo se você deixa
de preencher os padrões da sociedade.
Porém, o livro de Carla é muito, mas muito mais que isso. Do
início ao fim, o texto transborda sensibilidade, como se ele fosse uma daquelas
drogas que surgiram nos anos 70 para aguçar os sentidos.
A percepção que nos é dada dos personagens ultrapassa o íntimo. Parece ser algo realmente lisérgico, e
as palavras de Carla nos conduzem por brechas de onde é possível enxergar a
alma de cada um deles.
O pai de Tommy faz de tudo para levar uma vida normal, mas não aceita o suicídio da esposa e ainda precisa
enfrentar o fato de ter de tratar de crianças com a
mesma patologia do seu filho, tornando impossível manter a distância
profissional médico-paciente.
A madrasta, Alma (vejam como o nome é sugestivo), parece estar
finalmente pisando em solo firme, tendo um casamento e um emprego, depois
de toda uma vida cercada de aberrações, tendo de conviver com uma mãe que, de tão
liberal, fazem os filhos desejarem ser caretas.
Até a pequena Lola, filha de Alma, demonstra esperteza e uma capacidade
de compaixão no mínimo precoces, conseguindo, de
certa forma, penetrar um pouco no hermético mundo de Tommy.
Com tudo isso, não estou querendo falar que você vai ficar dizendo
“oh” e “ah” a cada página. “O resto é silêncio” te envolve de uma maneira
hipnótica, fazendo com que o leitor vá se emaranhando num labirinto de onde, de
repente, a gente percebe que não deseja mais sair.
Dá a sensação de que, quanto mais nos perdermos por esses caminhos estranhos, mais perto estaremos de nos encontrar, como se a busca do que te levou a ser o que você é pudesse finalmente te transformar no que você deveria ou queria ser. Doido, né?
Dá a sensação de que, quanto mais nos perdermos por esses caminhos estranhos, mais perto estaremos de nos encontrar, como se a busca do que te levou a ser o que você é pudesse finalmente te transformar no que você deveria ou queria ser. Doido, né?
Ao encontrar o fim desse labirinto (esse termo também faz parte da
história), sentimos que estar perdido pode ter um significado muito mais amplo,
um significado daquilo que não se diz em palavras, mas que cabe magistralmente no
silêncio do título. O resto é tudo.
Gisela Cesario
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