Sobre o quê: Três amigos enfrentam os
diversos altos e baixos de suas vidas amorosas sempre se encontrando e fazendo
divertidas reflexões sobre o que acontece, especialmente porque um deles acabou
de se separar ainda está decidido se come a vizinha menor de idade ou volta com
a ex.
Crítica: Ainda bem que não vi o filme.
É isso que estou pensando agora que acabei de ler o livro. Eu sempre penso
ainda bem que não vi o filme quando gosto do livro. Normalmente porque o filme
dura uma hora e meia ou duas e o livro leva pelo menos uns dias, dessa vez não
foi bem assim. Vou começar do fim, do fim do livro que me levou a esse começo.
Tava na
livraria, no estágio desespero III, quando você já olhou todos os lançamentos,
todos os policiais, todos os romances estrangeiros e mergulhou na literatura
brasileira em busca de algum João Ubaldo esquecido, uma coletânea de contos do
Rubem Fonseca, qualquer coisa pra esquecer o mundo. Aí bati de frente com “E
aí, comeu?”. Juro que não sabia que esse livro existia, pensei que tinha
nascido peça de teatro,virado filme, na hora pensei, claro, estão explorando o
último filão da comunicação, fazendo o caminho inverso, o filme ou peça que
vira livro.
Dei uma
rápida folheada pra ver se não era uma peça escrita, tipo cenário, entra alguém,
sai cortina preta, ler peça é o fundo do poço. Não era, alívio, não tive
vontade de ler a orelha pra ver sobre o que era, já sabia, ou pensava que sabia,
porque já tinha visto milhões de vezes falarem sobre a peça no jornal. Porém,
sou tarada por orelhas de livros em busca de informações novas e foi aí,
justamente aí que descobri. Marcelo Rubens Paiva casou. Quando? Não sei. Não
diz.
Você, amiga
leitora, que cresceu achando que um dia daria pro Marcelo Rubens Paiva, ouça
essa. Ele está com 55 anos, tipo quase 60, e tem um lindo bebê, sério, estava
escrito um lindo bebê chamado Joaquim. Será que teriam dito se o bebê fosse
feio? Marcelo Rubens Paiva é casado e tem um bebê horroroso, careca,
desdentado, chamado Joaquim. Pra que dizer lindo bebê? Parece uma tentativa de
elogio, tipo, esse cara, finalmente, aos 45 do segundo tempo, com 55 anos,
conseguiu ter um filho. Um lindo bebê. Deve ter uma linda esposa. Uma linda
vida. Nem dá pra entender por que ele escreveu isso e não “O apanhador no
campo de centeio”.
Tive uma
raiva absurda quando li essa maldita orelha. Uma raiva que me fez tomar uma
atitude ainda mais ridícula que a orelha. Ridícula e vingativa. Pensei, vou
ler, tenho que ler. Adoro tudo que esse cara escreve desde quando eu tinha 13
anos, li até “ua brari”, acho que é isso, um livro muito chato, que eu só li
porque tinha a foto do Marcelo na contracapa. Faço parte de uma geração que
iniciou a vida lendo “Feliz ano velho” e sonhando em beijar o Marcelo Rubens
Paiva, uma geração feminina que se derreteu lendo as sacanagens dele em todos
os livros, que riu de todas as frases meio machistas e ainda achou uma
gracinha.
Para minha
geração, se é que ela existe, se é que não sou só eu essa geração, esse cara
nunca podia casar, muito menos envelhecer e jamais, em tempo algum, ter um
lindo bebê.
E pra
terminar de dissolver minhas fantasias, ele coloca no lindo bebê um nome de
dono de padaria! Na boa, não vou usar uma hashtag dizendo prontofalei, mas acho
que expressei perfeitamente minha opinião pessoal, pra dizer o mínimo.
Comprei o
livro com raiva, acho que com raiva da realidade, mandei embrulhar pra presente
e colocar uma etiqueta de troca. Claro que tava pensando em ler em duas horas e
devolver no dia seguinte, só de raiva, vingança, queria ver o livro se
empoeirando até ir pra última prateleira da literatura brasileira, aquela onde
ninguém se abaixa pra ver o que tem.
Porém, são
cinco da manhã (não li de noite, e sim de madrugada) e estou vindo a público,
se é que se pode chamar meus leitores de público, para me redimir. Fizeram uma
enorme injustiça com “E aí comeu?”.
Todas as
vezes que eu li sobre a peça ou o filme era sempre a mesma coisa, amigos num
bar revelam seus sentimentos machistas sobre os novos tempos, as mulheres,
blábláblá, sempre tive a impressão de uma cena única, com várias lembranças que
dariam umas cenas paralelas e sempre imagineis diálogos cheios de palavrões e
baixarias, uma coisa meio idiota mesmo, e aí via uma mulher falar da peça ou do
filme e dizer que ficou envergonhada, que tem que ser liberal pra gostar. Ou eu
sou muito maluca, ou o mundo é feito de papagaios ou as duas coisas.
É uma
história, preciso repetir isso.
“E aí comeu”
é uma história. Não é uma divagação sobre os tempos modernos e as comidas
modernas, é uma história em primeiro lugar, é um romance, uma narrativa, coisas
acontecem do começo até o fim.
E claro que não
foi descriminado por causa do título ou porque era machista, mas sim porque tem
como fio condutor o dilema de um cara mais velho em comer ou não uma
adolescente menor de idade. Só isso. Será que ninguém podia ter dito?
Só isso já me
surpreendeu, ver que não eram contos, ou um papo eterno, mas algo linear, uma
sucessão de acontecimentos. Li em menos de duas horas, o livro se vingando do
filme, e, repetição das repetições, adorei.
Adorei porque
não é machista, não é vulgar, não é bobo.
É sensível,
tem horas que é até mulherzinha, e é engraçado, muito engraçado, de um humor
fino, a ironia que fez o autor ser quem é, a mesma ironia, um tema pouco novo,
mas de uma diversão incansável, assim como não se enjoa de amor, não se enjoa
de sexo, não dá pra enjoar do estilo do Marcelo Rubens Paiva, que não mudou nem
um pouco nesse livro, graças a Deus. Não é baixo, nem evoluído, é simplesmente do
cacete, como sempre foi. Que bom.
Então, eu, ré
confessa e arrependida, vou arrancar a etiqueta de devolução, vou emprestar a
amigas de quem gosto, vou ficar com ele na prateleira anos, um dia vou doar
pruma biblioteca e anos depois vou comprar de novo num sebo, vou fazer o que
sempre fiz com os livros do autor, namorar eternamente.
O dia está
clareando e estou me sentindo um pouco melhor, o mundo não mudou tanto só
porque o Marcelo Rubens Paiva foi chamado de machista por causa do título de
uma peça, tem 55 anos, é casado e tem um lindo bebê chamado Joaquim, o mundo
para onde ele nos leva continua igual e delicioso de se viver do mesmo jeito de
quando éramos todos adolescentes, solteiros e sonhadores.
Gisela
Cesario
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