terça-feira, novembro 10, 2015

Becky Bloom em Hollywood - Sophie Kinsella

Sobre o quê – Advinha? É sobre a Becky em Hollywood? Você não sabe quem é Becky? Então vá ler os “Delírios de Consumo de Becky Bloom” e depois volte pra essa resenha, sério, é por lá que você deve começar. Bom, o título é auto explicativo, Beky vai morar em Los Angeles porque o marido arrumou um emprego lá.  Aí tudo é confusão, quase como sempre.

Crítica- Se tem uma coisa que sempre me impressionava na Sophie Kinsella era o fato de ela conseguir manter a qualidade em todos os seus livros, não só o que têm a Becky como protagonista, mas todos, absolutamente cada um deles.

Infelizmente, pra nós e pra ela, isso era verdade até esse título. O problema com o livro é justamente esse, ele tem tantas imperfeições que parece ter sido escrito por outra pessoa.

Dá impressão que a Sophie Kinsella somente assinou.  E sem ler.

De cara, se nota uma quantidade enorme de infantilidades que destoa da obra da autora. Veja bem, detesto o termo literatura “mulherzinha”, mas consigo aturar, agora se houvesse um termo para esse livro, seria literatura “adolescentezinha idiotazinha”.

É absurdo o fato de Rebecca ( a nossa Becky) ter ficado mais infantil com o passar dos anos, tão infantil a ponto de ter discussões tatibitati com a melhor amiga. Só faltou as duas irem brincar num parquinho. Juro.

Como eu sou fã da autora, a ponto de ficar toda empolgada quando vejo um lançamento na livraria, imaginava que ia haver uma reviravolta típica dos seus livros.

Ora, estamos falando da mulher que escreveu mais de 5 livros da Becky impecáveis, sem falar nos que tinham protagonistas diferentes, pois outro ponto de destaque da autora sempre foi justamente saber que determinadas histórias não combinavam com a personagem dos “Delírios de Consumo”, por isso, era criada outra, como foi com a executiva Samantha Sweet, se não me engano, e mais com mais umas duas, pelo menos
.
Uma história bem contada sempre pareceu ser a prioridade de Sophie, ainda que Becky tivesse que ficar de molho.

Por isso, durante as não sei quantas páginas de “Becky Bloom em Hollywood”, achei que algo mágico devia estar para acontecer, íamos descobrir que ela estava sob o efeito de anti depressivos ou drogas pesadas ou viriam situações tão hilárias que nem iríamos lembrar de tanta bobagem.

Mas nada disso acontece.

Além de parecer um pesadelo infantil, e, pra mostrar que é sempre possível piorar, o livro termina com um monte de problemas estranhamente não resolvidos, como se alguém decidisse tomar a prova da aluna antes de ela conseguir responder tudo.

Dá a impressão que um apito tocou e a edição foi entregue, só deu tempo de escrever “fim”.

Sei o quanto o mercado editorial é cruel e que a vida também não tá fácil pra ninguém, mas como não perceber que um miserável ( no sentido mais triste da palavra) título pode comprometer toda uma obra escrita de forma artesanalmente perfeita? E estou me referindo a livros com mais de 300 páginas cada.

Acho que foi isso e não o fato de ter lido um livro bobo, porque o livro é isso mesmo- bobo, feio e chato- com seus diálogos idiotas- isso que me deixou triste a ponto de voltar a esse meu espaço de resenhas tão abandonado!

Eu precisava contar para o mundo ou para os meus pouquíssimos (mas selecionados!) leitores que Sophie Kinsella não é assim. Becky Bloom não é retardada, nem seus livros são uma sucessão de piadas mal contadas.

Isso foi um engano terrível, somente isso, um escorregão, uma pisada em falso seguida por um tombo monumental.  E todas as fãs da Becky vão torcer muito para que jamais volte a acontecer.

Gisela Cesario.

sábado, novembro 22, 2014

E aí, comeu? - Marcelo Rubens Paiva


Sobre o quê: Três amigos enfrentam os diversos altos e baixos de suas vidas amorosas sempre se encontrando e fazendo divertidas reflexões sobre o que acontece, especialmente porque um deles acabou de se separar ainda está decidido se come a vizinha menor de idade ou volta com a ex.

Crítica: Ainda bem que não vi o filme. É isso que estou pensando agora que acabei de ler o livro. Eu sempre penso ainda bem que não vi o filme quando gosto do livro. Normalmente porque o filme dura uma hora e meia ou duas e o livro leva pelo menos uns dias, dessa vez não foi bem assim. Vou começar do fim, do fim do livro que me levou a esse começo.

Tava na livraria, no estágio desespero III, quando você já olhou todos os lançamentos, todos os policiais, todos os romances estrangeiros e mergulhou na literatura brasileira em busca de algum João Ubaldo esquecido, uma coletânea de contos do Rubem Fonseca, qualquer coisa pra esquecer o mundo. Aí bati de frente com “E aí, comeu?”. Juro que não sabia que esse livro existia, pensei que tinha nascido peça de teatro,virado filme, na hora pensei, claro, estão explorando o último filão da comunicação, fazendo o caminho inverso, o filme ou peça que vira livro.

Dei uma rápida folheada pra ver se não era uma peça escrita, tipo cenário, entra alguém, sai cortina preta, ler peça é o fundo do poço. Não era, alívio, não tive vontade de ler a orelha pra ver sobre o que era, já sabia, ou pensava que sabia, porque já tinha visto milhões de vezes falarem sobre a peça no jornal. Porém, sou tarada por orelhas de livros em busca de informações novas e foi aí, justamente aí que descobri. Marcelo Rubens Paiva casou. Quando? Não sei. Não diz.

Você, amiga leitora, que cresceu achando que um dia daria pro Marcelo Rubens Paiva, ouça essa. Ele está com 55 anos, tipo quase 60, e tem um lindo bebê, sério, estava escrito um lindo bebê chamado Joaquim. Será que teriam dito se o bebê fosse feio? Marcelo Rubens Paiva é casado e tem um bebê horroroso, careca, desdentado, chamado Joaquim. Pra que dizer lindo bebê? Parece uma tentativa de elogio, tipo, esse cara, finalmente, aos 45 do segundo tempo, com 55 anos, conseguiu ter um filho. Um lindo bebê. Deve ter uma linda esposa. Uma linda vida. Nem dá pra entender por que ele escreveu isso e não “O apanhador no campo  de centeio”.

Tive uma raiva absurda quando li essa maldita orelha. Uma raiva que me fez tomar uma atitude ainda mais ridícula que a orelha. Ridícula e vingativa. Pensei, vou ler, tenho que ler. Adoro tudo que esse cara escreve desde quando eu tinha 13 anos, li até “ua brari”, acho que é isso, um livro muito chato, que eu só li porque tinha a foto do Marcelo na contracapa. Faço parte de uma geração que iniciou a vida lendo “Feliz ano velho” e sonhando em beijar o Marcelo Rubens Paiva, uma geração feminina que se derreteu lendo as sacanagens dele em todos os livros, que riu de todas as frases meio machistas e ainda achou uma gracinha.

Para minha geração, se é que ela existe, se é que não sou só eu essa geração, esse cara nunca podia casar, muito menos envelhecer e jamais, em tempo algum, ter um lindo bebê.

E pra terminar de dissolver minhas fantasias, ele coloca no lindo bebê um nome de dono de padaria! Na boa, não vou usar uma hashtag dizendo prontofalei, mas acho que expressei perfeitamente minha opinião pessoal, pra dizer o mínimo.

Comprei o livro com raiva, acho que com raiva da realidade, mandei embrulhar pra presente e colocar uma etiqueta de troca. Claro que tava pensando em ler em duas horas e devolver no dia seguinte, só de raiva, vingança, queria ver o livro se empoeirando até ir pra última prateleira da literatura brasileira, aquela onde ninguém se abaixa pra ver o que tem.

Porém, são cinco da manhã (não li de noite, e sim de madrugada) e estou vindo a público, se é que se pode chamar meus leitores de público, para me redimir. Fizeram uma enorme injustiça com “E aí comeu?”.

Todas as vezes que eu li sobre a peça ou o filme era sempre a mesma coisa, amigos num bar revelam seus sentimentos machistas sobre os novos tempos, as mulheres, blábláblá, sempre tive a impressão de uma cena única, com várias lembranças que dariam umas cenas paralelas e sempre imagineis diálogos cheios de palavrões e baixarias, uma coisa meio idiota mesmo, e aí via uma mulher falar da peça ou do filme e dizer que ficou envergonhada, que tem que ser liberal pra gostar. Ou eu sou muito maluca, ou o mundo é feito de papagaios ou as duas coisas.

 É uma história, preciso repetir isso.

“E aí comeu” é uma história. Não é uma divagação sobre os tempos modernos e as comidas modernas, é uma história em primeiro lugar, é um romance, uma narrativa, coisas acontecem do começo até o fim.

E claro que não foi descriminado por causa do título ou porque era machista, mas sim porque tem como fio condutor o dilema de um cara mais velho em comer ou não uma adolescente menor de idade. Só isso. Será que ninguém podia ter dito?

Só isso já me surpreendeu, ver que não eram contos, ou um papo eterno, mas algo linear, uma sucessão de acontecimentos. Li em menos de duas horas, o livro se vingando do filme, e, repetição das repetições, adorei.

Adorei porque não é machista, não é vulgar, não é bobo.

É sensível, tem horas que é até mulherzinha, e é engraçado, muito engraçado, de um humor fino, a ironia que fez o autor ser quem é, a mesma ironia, um tema pouco novo, mas de uma diversão incansável, assim como não se enjoa de amor, não se enjoa de sexo, não dá pra enjoar do estilo do Marcelo Rubens Paiva, que não mudou nem um pouco nesse livro, graças a Deus. Não é baixo, nem evoluído, é simplesmente do cacete, como sempre foi. Que bom.

Então, eu, ré confessa e arrependida, vou arrancar a etiqueta de devolução, vou emprestar a amigas de quem gosto, vou ficar com ele na prateleira anos, um dia vou doar pruma biblioteca e anos depois vou comprar de novo num sebo, vou fazer o que sempre fiz com os livros do autor, namorar eternamente.

O dia está clareando e estou me sentindo um pouco melhor, o mundo não mudou tanto só porque o Marcelo Rubens Paiva foi chamado de machista por causa do título de uma peça, tem 55 anos, é casado e tem um lindo bebê chamado Joaquim, o mundo para onde ele nos leva continua igual e delicioso de se viver do mesmo jeito de quando éramos todos adolescentes, solteiros e sonhadores.


Gisela Cesario

segunda-feira, outubro 07, 2013

O resto é silêncio - Carla Guelfebein


Sobre o quê: Filho de um cardiologista, Tommy é um menino de 12 anos, que já se sente diferente por ter problemas de coração. Quando descobre que sua mãe se suicidou, sua noção de estranhamento ganha novos contornos.  A partir disso, ele se aprofunda em seu próprio universo, aperfeiçoando o hábito de gravar conversas de adultos . E, da mesma forma que  mantém esse segredo, também sua família, formada pelo pai, a madrasta e a meia irmã, convive mais com o não-revelado do que com o que é dito.

Crítica: No creo en prioridades, pero que las hay, las hay. Não tenho a menor ideia por que comecei esse texto dizendo isso, mas imagino que é porque estou há meses para escrever essa resenha e estava quase indo pra outra quando pensei que seria muito injusto não registrar a excelência dessa obra.

Depois de examinar as orelhinhas do livro antes de comprá-lo, decidi que ia gostar de ler porque me identifico com pessoas esquisitas e solitárias, como o menino do livro, pensei que fosse só mais uma daquelas histórias cheias de reflexões, sobre como o mundo não é receptivo se você deixa de preencher os padrões da sociedade.

Porém, o livro de Carla é muito, mas muito mais que isso. Do início ao fim, o texto transborda sensibilidade, como se ele fosse uma daquelas drogas que surgiram nos anos 70 para aguçar os sentidos.

A percepção que nos é dada dos personagens ultrapassa o íntimo. Parece ser algo realmente lisérgico, e as palavras de Carla nos conduzem por brechas de onde é possível enxergar a alma de cada um deles.

O pai de Tommy faz de tudo para levar uma vida normal, mas não aceita o suicídio da esposa e ainda precisa enfrentar o fato de ter de tratar de crianças com a mesma patologia do seu filho, tornando impossível manter a distância profissional médico-paciente.

A madrasta, Alma (vejam como o nome é sugestivo), parece estar finalmente pisando em solo firme, tendo um casamento e um emprego, depois de toda uma vida cercada de aberrações, tendo de conviver com uma mãe que, de tão liberal, fazem os filhos desejarem ser caretas.

Até a pequena Lola, filha de Alma, demonstra esperteza e uma capacidade de compaixão no mínimo precoces, conseguindo, de certa forma, penetrar um pouco no hermético mundo de Tommy.

Com tudo isso, não estou querendo falar que você vai ficar dizendo “oh” e “ah” a cada página. “O resto é silêncio” te envolve de uma maneira hipnótica, fazendo com que o leitor vá se emaranhando num labirinto de onde, de repente, a gente percebe que não deseja mais sair.

Dá a sensação de que, quanto mais nos perdermos por esses caminhos estranhos, mais perto estaremos de nos encontrar, como se a busca do que te levou a ser o que você é pudesse finalmente te transformar no que você deveria ou queria ser. Doido, né?

Ao encontrar o fim desse labirinto (esse termo também faz parte da história), sentimos que estar perdido pode ter um significado muito mais amplo, um significado daquilo que não se diz em palavras, mas que cabe magistralmente no silêncio do título. O resto é tudo.


Gisela Cesario

sexta-feira, julho 12, 2013

Hanói- Adriana Lisboa

Sobre o  quê: Um cara com uma vida pouco interessante descobre que tem uma doença terminal e acaba entrando sem querer na vida de uma jovem mãe solteira. Os dois são descendentes de estrangeiros, vivendo em Chicago, e começam a descobrir que algumas desgraças podem ser boas coincidências.

Crítica: A vida não é justa. Por que? Não sei. Por que estou dizendo isso? Porque li mais de dez livros entre a última resenha e esta que escrevo agora, pelo menos a metade foi bem impressionante, Hanói não foi o melhor, nem o mais bem escrito, mas talvez tenha sido aquele com o qual eu mais me identifiquei, por isso é sobre ele que estou escrevendo. Ou isso, ou a vida realmente não é justa.

Essa introdução maluca, que parece sem pé nem cabeça tem muito a ver com o livro de Adriana Lisboa. David, o personagem central, que descobre ter poucos meses de vida, simplesmente não sabe o que fazer do tempo que lhe resta. Talvez por isso acabe, sem querer, mudando a vida de alguém que ainda tem muito tempo.

Ele começa um romance com uma descendente de vietnamitas chamada Alex, que trabalha num mercado. Ele mesmo é descendente de mexicanos e brasileiros e também tem o que costumamos chamar de uma profissão banal, trabalha em construções, sem nenhum traço de realização profissional.
Mas é justamente o modo de olhar para as banalidades da vida que fascina na história de Hanói. As pequenas e aparentemente indiferentes coisas nos unem muito mais que nossos grandes feitos.

Por mais importante que alguém seja, ele terá muito em comum com o resto da humanidade, terá medo, sono, fome e todos aqueles sentimentos que costumam nos reduzir a nossa eterna insignificância.

Os personagens de Adriana são invisíveis nas suas vidas sem graça, são iguais a milhares numa multidão. Porém, ao dar um close na vida de alguns desses seres, Adriana nos aconchega, acho que essa é palavra, na sua narrativa.
Estamos em casa quando percorremos as expectativas e frustrações de todos, as mesmas que achamos ser somente nossas.

É bom e reconfortante de repente estar em outras pessoas, nos ver em vidas distintas e tão similares. Viver a vida do outro sempre parece atraente, nem que seja só pela diferença.

Pensando dessa forma, o nosso personagem principal decide, pro seu final de vida, realizar o sonho da nova namorada, ir para Hanói, uma cidade onde nunca esteve, da qual não tem nenhuma referência, nem motivo algum pra querer estar lá.

Alex, a descendente de vietnamitas, ainda tenta dissuadi-lo, pela longa viagem, a língua incompreensível e absoluta ausência de atrativos que Hanói teria para ele, como se aquela cidade tivesse apenas um valor sentimental, impossível de ser calculado por alguém “de fora”.

Só que viver outra vida é tudo que David quer pra sua despedida do mundo, outros sentimentos, ser um pouco de alguém que ele não conhece, e a maneira de fazer isso é realizando o sonho dessa pessoa, imaginando que impacto isso poderia ter na sua realidade.

É claro que a verdadeira Hanói não existe, nem pra ele, nem para Alex, nem para ninguém, a verdadeira Hanói é uma ilusão de um lugar onde tudo estava certo, onde as banalidades eram importantes e a vida era perfeita.

Assim, não ir ao encontro dessa cidade é maneira de preservá-la da verdadeira cidade, de mantê-la no pedestal do paraíso. Para não estragar um sonho, precisamos ter o cuidado de não tentar transformá-lo em realidade.

Nisso parece consistir o sentido da vida que Hanói nos apresenta, na delicadeza de embalar ideais, cuidar deles com esmero, cultivar como se fossem delicadas plantas, acariciar como se fossem pequenos objetos de cristal, os quais um vento de realismo pode destruir em um segundo.


Não vou contar o final de Hanói, até porque, depois de tudo que eu já disse, é óbvio que Hanói não merece ter fim.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Barba ensopada de sangue - Daniel Galera

Sobre o quê: Depois do suicídio de seu pai e de saber das estranhas circunstâncias do fim do seu avô, um professor de educação física decide se mudar para a Garopaba a fim de investigar não só as razões da morte do antepassado, mas também as da sua própria vida. Como companhia, a cachorra que era do pai e uma incapacidade crônica de memorizar rostos.


Crítica: Já tinha ouvido falar em Daniel Galera. Sabia que era um autor novo, com um estilo diferente, que havia aparecido num romance chamado “Mãos de Cavalo”, muito embora a minha deficiente memória me impeça de lembrar se já o tinha lido ou não.

E foi nesse clima de ódio ao esquecimento que comecei a me identificar com o protagonista de “Barba ensopada de sangue”, um cara com um problema neurológico que o impede de guardar o rosto de alguém por mais de 15 minutos. Não tenho nada tão grave, mas experimente vir falar comigo depois de 15 meses...Além disso, o título e capa, que dá vontade de espremer pra sair sangue, prometem assassinar a monotonia com requintes de crueldade.

Acontece que “Barba ensopada de sangue” faz muito mais do que cumprir sua promessa e acaba por trazer revelações bem mais profundas do que faria um esperado suspense.

A narrativa segue um ritmo enérgico e, ao mesmo tempo, incrivelmente firme, sem atropelos, que confirma uma das críticas feita ao livro, a de que “o autor caminha decididamente e sem pressa, na certeza de chegar aonde quer”.

A prosa do autor impecável flui daquela maneira deliciosa que nos dá saudade do livro bem antes de terminá-lo. Sempre digo que existem histórias que nos fazem querer habitar nelas pra sempre. Essa, sem dúvida é uma delas.

No paradisíaco cenário de Garopaba, nosso protagonista ( que não tem nome e está em busca da verdadeira identidade) vive casos de amor, brigas, momentos de paz, alegria, desespero, mas vive principalmente o mistério que o traz ali: saber como morreu ou desapareceu o avô que era a cara dele, cara essa da qual ele mesmo não lembra e com a qual se espanta toda vez que encontra um espelho.

Em vários momentos, esperei que Daniel me decepcionasse e relatasse algo macabro estilo história de terror ou então se perdesse em uma das muitas fugas do seu personagem.

Porém a grande magia desse romance é nos conduzir com uma narrativa incólume e segura por um universo que parece não ter nada além de dúvidas, onde somente o autor detém impassivo o controle absoluto de um desfecho certo e inevitável.

Por que niguém admite que conheceu seu avô? Por que a cidade inteira finge sofrer de amnésia? Por que o protagonista não desiste? As respostas de tantas perguntas parecem estar na falta de sentido em geral da vida.

Sem se afastar da intensidade de sua busca, o professor de educação física esquecido se embrenha por fascinantes rotas filosóficas, investigando o destino, o livre arbítrio, a existência de Deus e o que mais você imaginar.

Portanto, pra quem espera somente um mistério, é bom avisar que o livro de Daniel Galera traz muitos mistérios. E o maior deles talvez seja sua própria perfeição.

Gisela Cesario

sexta-feira, setembro 07, 2012

Juliet Nua e Crua - Nick Hornby


Sobre o quê: A obsessão dos fãs por seus ídolos é o tema que embala essa jornada do autor à vida de um casal que não está junto por amor. O que realmente os mantém unidos é o trabalho que o marido desenvolve sobre a breve carreira de um cantor recluso. E para descobrir essa verdade, eles precisam pesquisar mais que discos antigos.

Crítica: Conheci Nick Hornby lendo "Alta Fidelidade", romance tão bom que continou incrível  ao virar filme. Tentei ler outros livros do autor, mas simplesmente me pareceram autobiográficos demais, como “Febre de bola”. Em “Juiet Nua e Crua”, que não sei quando foi escrito, reencontrei o Nick de “Alta Fidelidade”.

O distanciamento, que parece existir de maneira simples com a voz de um narrador ausente, ganha um papel maior ao longo da história, fazendo com que o leitor se sinta observando a vida de um casal e de um ex-ídolo de rock pela fresta de uma janela.

O marido é um daqueles fãs que, de tanto se dedicar a seu ídolo, transformou isso em profissão e se autodenomina um especialista na vida do ex-cantor de rock, uma estrela parecida com bob dylan e que teria terminado sua carreira de forma abrupta e, no mínimo esquisita, após uma ida ao banheiro em uma boate.

As milhares de divagações a respeito do que haveria acontecido no banheiro para que o cantor abandonasse sua carreira nos levam a perceber o quanto de loucura acomete quem resolve se dedicar a entender uma pessoa sem o mínimo amparo na realidade.

Sobre o fato, há uma passagem no livro em que o próprio cantor observa melancolicamente que ele se esforçou tanto para construir um grande trabalho musical e seu mais famoso feito  acabou sendo uma ida ao banheiro.

É essa ironia do autor, que nos fornece lentes para enxergar o o ridículo de toda realidade, o grande trunfo de "Juliet Nua e Crua".

Todos sabemos que a realidade não existe ou que existem muitas realidades, mas nenhum de nós está preparado para a surpresa que isso causa quando algo ou alguém que a gente considerava mítico se desfaz em ser humano diante dos nossos olhos.

Não é à toa que as revistas de fofocas de celebridades ganham tanto dinheiro com aquela seção idiota chamada “eles são como nós”, onde os famosos aparecem indo ao supermercado ou enchendo o tanque do carro. Óbvio que eles são como nós! Ou alguém imaginava que as atrizes acordassem maquiadas e de salto alto como bonecas barbie? No entanto, todo mundo fica surpreso quando descobre que seu ídolo é um ser humano.

No fundo, isso signifca que, por mais que você esforçe, ainda que você ganhe o big brother ou case com o príncipe da inglaterra, você continuará na sua condição de ser humano.

E ser humano significa ser inseguro, errar, botar tudo a perder, falhar não só uma, mas repetidas vezes. Trair quem se ama ou mesmo duvidar da existência do amor também são caracterísicas nossas que não podem ser exatamente definidas como virtudes.

E que chatice! Somos todos a mesma coisa! É exatamente isso que o casal do livro não quer descobrir a respeito do ídolo das antigas. Eles querem pensar que os amores do cara não foram casinhos sem importância e as idas ao banheiro tiveram um grande significado oculto.


O que eles acabam descobrindo é: talvez ser uma celebridade e só fazer coisas brilhantes pode ser muito mais chato que ser humano e ter atitudes absolutamente imprevisíveis.

Sim, é possível ser real e ser incrível ao mesmo tempo em que se é gente. E o amor verdadeiro pode se revelar muito mais devastador que o amor de um romeu e julieta de mentira.

Mas não pense que estou estragando a surpresa do livro. A única parte que estou contando é o que você já sabia. Nick Hornby sempre pode ser surpreendente.

quinta-feira, abril 05, 2012

A outra namorada- Lucy Dawnson e Quem vai dormir com quem - Sophie Kinsella


Sobre o quê: Os títulos são autoexplicativos. “A outra namorada” trata da saga (é saga mesmo) de uma mulher que descobre que seu parceiro tem outra. "Quem vai dormir com quem" coloca dois casais numa situação imprevista justamente nas férias, sendo que a esposa de um já teve um caso com o marido da outra.

Crítica: No início do filme “Um crime perfeito”, o delicioso Clive Owen aparece sozinho na tela e se pergunta: “Por que eu fiz isso?”, depois ele se responde. “Porque eu posso.”

Essa introdução nonsense explica a razão de eu resolver fazer a crítica de dois livros simultaneamente, sem nem um parágrafo pra cada um. Estou fazendo isso porque eu posso. Porque, além de esse blog ser meu e eu poder fazer o que eu quiser, eles são tão parecidos que eu consegui ler os dois ao mesmo tempo, com apenas uma leve alteração de humor de um para o outro. Imagino que a avaliação vai ficar até melhor assim. Vamos ver.

O da Sophie Kinsella ( a autora da série dos "Delirios de Consumo") merece uma explicação. Eu também gostaria de saber por que ela assinou esse livro com outro nome e fez questão de colocar em baixo que era ela. Afinal, qual o nome real da Sophie Kinsela? Chico Buarque? O máximo que consegui imaginar foi a possibilidade de uma restrição contratual com a editora da série de sucesso, mas isso meio cai por terra depois que se admite um parêntese, onde se informa que aquela autora com nome nunca visto é a Sophie Kinsella.

Quando chegar ao meio de “Quem vai dormir com quem”, você vai descobrir que essa informação foi muito útil, porque ninguém podia imaginar a criadora da Becky Bloom e suas aventuras incessantes escrevendo aquele texto lenga-lenga. Lá pro final, há aquela sensação de se estar assistindo a uma novela mexicana, de longos diálogos, reflexões solitárias dos personagens e quase nenhum acontecimento. Um acelerar nas páginas, um pulo em alguns parágrafos e o leitor não perde nada, igualzinho a certas novelas em que não assistir um capítulo não faz a menor diferença.

Já em “A outra namorada” (Bom, estou fazendo um parágrafo separado para cada livro...), a pressa de virar as páginas no final não é resultado do tédio, mas da curiosidade. Até que a trama desse que parece ser o primeiro livro de Lucy Dawson soa comum, mas surpreende muito positivamente.

Não é uma simples traição no mundo de uma mulher ciumenta. Ela chega às últimas conseqüências, como era de se esperar. O diferente é que não são conseqüências trágicas, como assassinar a outra ou tentar o suicídio. São confusões bem hilárias. Não sei se foi o fato de ter o lido os dois juntos, mas esse livro sim parece ter sido escrito pela Sophie Kinsela. O ritmo é absurdamente acelerado, do tipo que faz o leitor ter vontade de ler no elevador, no sinal fechado, cada segundo é algo novo e excitante que a protagonista apronta em busca da verdade e do seu namorado.
Sim, porque nessa história, há várias questões. A outra existe? Eles têm um caso? É sério? Vale a pena ficar ou largar o cara? Por mais a sério que se leve tudo isso, o tom do livro, pelo menos até as últimas páginas, é de um humor muito gostoso. Porém, o que prometia ser uma bela surpresa, uma abordagem nova de um tema batido, vira uma feia decepção.

Pense na maneira que os americanos tratam o adultério. Lembre dos filmes “Beleza americana” ou “Atração fatal”. Você vai ter exatamente essa lição de moral no fim de “A outra namorada”. Não quero estragar nada, mas esse bordão de mocinho e bandido enlatado de “o crime não compensa” já nasceu estragado, não estou exatamente contando tudo, estou deixando espaço pra sua imaginação e pra você ler com seu próprios óculos. Tanto que vou mudar de assunto.

Então, voltando a “Quem vai dormir com quem”, acho que cheguei a uma definição apropriada. Imagine que a revista “Caras” ou a revista “Quem” virou um livro. Sem figuras! Meio chato, né? Pois é, esse livro não promete, não cumpre, não surpreende, não irrita e, claro, não agrada. Apenas a chama da esperança (esse termo é o clima do romance) de aquele texto ser da Sophie Kinsella obriga o leitor a prosseguir até o melancólico final.

Pensando bem, a razão do pseudônimo não deve ter sido um contrato, deve ter sido vergonha mesmo. Talvez fosse um arquivo morto no computador que ela escreveu quando tinha dezesseis anos e algum editor malvado obrigou a autora a publicar.

Isso basta, vou me poupar de comentar a capa de um deles. Prometi não falar mais de capas.

Finalmente, em primeiro lugar fica “A outra namorada”, em segundo lugar, “Quem vai dormir com quem”. Mas, com certeza, em algum outro lugar, vamos encontrar um livro melhor do que esses dois.

Gisela Cesario.

terça-feira, março 20, 2012

A mulher de preto- Susan Hill



Sobre o quê: Numa noite de natal, em alguma linda e aconchegante cidadezinha da Inglaterra, uma família se propõe a fazer uma brincadeira aparentemente comum em lugares como esse. Reúnem-se em volta da lareira e começam a contar história de fantasmas. O único que não gosta da brincadeira é o homem da casa, e o motivo tem a ver com uma estranha mulher de preto.

Crítica: Um dos primeiros mandamentos da vida, possivelmente após não matarás, é que não devemos julgar um livro pela capa. No entanto, mais difícil que não cobiçar o homem da próxima, é se abster desse tipo de julgamento.

Entender é fácil. No momento anterior ao segurar um livro, em que se pode pelo menos ler a orelha, o que se vê é a capa, claro. É a capa que atrai o leitor, junto com o título. Todo leitor julga primeiro pela capa, segundo pelo título, terceiro pela orelha e resumo, depois, se for uma pessoa consciente, lê algumas páginas antes de investir seu dinheirinho. É claro que outros fatores influem conhecer o autor ou o fato de o livro ter virado filme. Pronto, cheguei. Nesse dia, em que comprei “A mulher de preto” eu estava disposta a assistir o filme originado pelo livro, mas a sessão era num horário horrível e num cinema bem longe de mim.
De manhã, ainda com o jornal na mão, pensei que eu ia esperar o DVD. Depois, assunto devidamente esquecido, entro na Travessa, sempre ela, e está lá. “ A mulher de preto”. Agora chega a vez da capa. Não fosse tudo que eu já disse antes, a capa teria me feito desistir. Parece que essa edição foi feita na fábrica de livros para pessoas idiotas ou pré-adolescentes ou ambos. É preta, com jeito de folhetim, tem uns olhos azuis imensos de um homem, que nada dizem da história, e um aviso do tipo “cuidado, você vai se arrepiar”, junto aquelas frases estilo “ uma história eletrizante do início ao fim”. Ah, bom, porque se fosse eletrizante só até o meio...

Ok, isso não tem nada a ver com a história. A capa é uma grande injustiça à história e só corrobora o mandamento que diz “não julgarás o livro pela capa”. Fiel, ignorei as advertências ridículas e parti pra primeira página. Logo nas linhas iniciais, dá pra perceber o tom absolutamente altivo da autora, que nitidamente está se lixando pra quem fez, está fazendo ou fará a capa. No segundo parágrafo, um leitor razoavelmente experiente já pode deduzir que ali existe uma promessa de preciosidade disfarçada de bobagem.

O texto, apesar de bastante descritivo, contém apenas o material suficiente para ambientar o leitor e trazê-lo do verão carioca para o inverno numa distante vila de um distante país onde neva, venta e a neblina é intensa.

O resto é uma narração tão bem desenvolvida que não se percebe o limite entre uma coisa e outra, num momento você é abduzido para dentro do livro, depois começa a passear junto com o personagem principal e vivenciar todos os seus sentimentos.

A história se passa antes da metade do século passado, o que torna o frio mais frio ainda. Nosso personagem narrador é Arthur, um senhor de idade, no segundo e feliz casamento, com uma enorme família numa casa de campo daquelas em que se imagina um boneco de neve no quintal.

Ele está feliz, aquecido e é noite de natal. Todos se divertem, comem, bebem e decidem que nada deve ser perfeito. Por isso, resolvem contar histórias de fantasmas. Isso definitivamente termina com a calma do nosso narrador. Adeus noite feliz, olá noite assombrada. ( Acho que esse título tem tudo a ver com a capa.)

A brincadeira provoca uma viagem num tempo literalmente enterrado, quando o narrador, ainda um jovem advogado, vivendo numa Inglaterra provavelmente mais úmida e lúgrube, precisa analisar os papéis de uma cliente que acabou de morrer. O problema é a que essa senhora morava num lugar chamado “ A casa do brejo da enguia”. Juro que não foi o cara da capa que inventou isso.

Tudo soa assustadoramente verdadeiro e sincero. Em linha alguma se percebe um tom divertido de uma história de fantasma. O negócio é sério e o bagulho é doido. Tanto que o advogado, tão racional, começa a se impressionar com o que parece uma concretização do absurdo.

Agora, se eu continuar, vou estragar uma das melhores histórias de suspense que meus raros leitores podem ter nas mãos. Li em menos de três dias e terminei bem no meio de uma madrugada.

Racional como o advogado do livro, pensei que era ridículo ter medo de ler uma história de terror durante a noite. Já li trocentos livros assim. Terminei às quatro e meia e só consegui dormir depois das seis. O pior é fiquei realmente arrepiada com o final. E percebi isso enquanto olhava o aviso idiota na capa. Confesso, idiota fui eu de não acreditar. Principalmente na única madrugada de frio e chuva do verão.
Então, minha dica é a seguinte, enquanto o filme não vira DVD, não se deixe assustar pela capa. Muito melhor é se assustar com a história.

Gisela Cesario

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

A segunda vez que te conheci – Marcelo Rubens Paiva


Sobre o quê
: O término de um namoro coloca um jornalista meio canalha numa vida muito diferente, tanto que ele passa a exercer a profissão de agenciador de mulheres, tudo muda, menos o fato de ele ser meio canalha, inclusive na hora de cometer um crime.

Crítica
: Sinceramente, eu me surpreendo comigo mesmo. Como pode nesse blog meu, só meu e de mais ninguém, não ter uma crítica a um livro do Marcelo Rubens Paiva? Ah, não vou ficar rasgando seda (ainda se diz isso?), falando que eu adoro o cara e tudo que ele escreve...Tem coisas que ele escreve que não são tão boas assim, mas esse livro não é uma delas. Esse livro é tão bom assim, já li “A segunda vez que te conheci” umas dez vezes e sempre parece só a segunda vez...

Existe um ar amoral no texto do Marcelo, que lembra muito o Rubem Fonseca, outro autor que adoro, mas o Marcelo tem ainda um jeito de adolescente que não se conforma com a vida do jeito que ela é. A verdade é que ninguém se conforma, mas todo mundo finge, ele não.

Mas vamos ao livro: no começo, vemos um jornalista egoísta, mas sensível( o livro faz isso parecer possível, acredite.), abandonado pela namorada e tendo de encarar o fato de voltar à gandaia. E pra ajudar, ainda há a amiga da ex-namorada...ah! As fantasias masculinas irreveláveis, tão descaradamente reveladas!

Só que a dita gandaia toma proporções enormes, incalculáveis, cumuladas com a demissão do jornal, o que o torna realmente um cafetão. Mas não um cafetão qualquer. Um cafetão inexperiente o suficiente para parecer uma virgem no mercado do sexo.
O crime é um acidente, não estou adiantando nada, quer dizer, estou, mas não o principal.

Estou só avisando que não é um livro essencialmente de suspense ou policial, o crime é ator coadjuvante de um romance, mais um romance sem vergonha do Marcelo Rubens Paiva.

Uma história de amor temperada com sangue, suor e sarcasmo, um texto apaixonante, engraçado e gostoso como um canalha. Um texto ao qual essa crítica nunca será justa por mais que o elogie.

Não é um livro novo, mas a resenha é nova e hoje prometi escrever resenhas de todos os livros do Marcelo Rubens Paiva. Você, claro, não precisa ler todas. Leia só os livros.
Gisela Cesario

PS – Esse é o meu primeiro PS em resenhas. O primeiro livro que li dele quando era adolescente foi blecaute, passei uma madrugada inteira lendo e fiquei apaixonada. Só depois fui descobrir quem era o Marcelo Rubens Paiva e tudo o mais, o único livro dele que nunca li foi o mais famoso, ”Feliz Ano velho”, sou fraca demais, admito. Mas agradeço a Deus por tudo que, de bom ou ruim, tornou esse autor tudo aquilo que ele é hoje pra todos nós.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Tumulto em noites de blackout – José Nunes

Sobre o quê: A luta por uma herança deixada em diamantes é ponto central desse suspense. Após a morte de seu marido, Rovena, nome e jeito de vilã, decide vir da África do Sul para o Rio de Janeiro, pela primeira vez em vinte anos, com o objetivo de cumprir as últimas vontades do falecido, o que acaba tumultuando noites e dias de envolvidos e herdeiros.

Crítica: José Nunes é um escritor amador e isso salta aos olhos na sua obra de estréia. Amador no melhor e mais correto sentido da palavra. Aquele que escreve porque ama, fazendo disso não um ofício, mas a conseqüência natural de um sentimento explosivo, que inicialmente assusta para depois conquistar.

Digo isso porque as primeiras duas ou três páginas do livro provocam uma intensa curiosidade. Logo depois, quase todas as informações relevantes para a história são praticamente atiradas na cara do leitor, que tem duas opções: desistir ou tentar organizar as idéias para continuar a leitura.

Quem gosta de um bom suspense certamente vai escolher a segunda opção. Não sei se essa confusão inicial é proposital, mas talvez ela seja fundamental para alertar o leitor que, se ele deseja prosseguir, deve abandonar suas preocupações e permitir que seu cérebro seja inteiramente ocupado pelas reviravoltas da trama.

Reviravolta é que não falta. E elas se passam num cenário clássico de mistério. Uma mansão à beira de um penhasco, com um casal ambicioso, uma sobrinha destrambelhada, a viúva e sua não tão fiel criada, sem falar no consagrado herdeiro, o sobrinho Walker.

O cara é um músico mal sucedido, tirado de seu mundo de drogas e falta de dinheiro, para vir morar nessa mansão, receber sua parte em dinheiro e viver blackouts constantes, muito tumulto e também um grande amor.

Com todos esses ingredientes na cabeça, não dá pra pensar em muitas coisas a não ser no que vai acontecer na próxima página.

Findas as iniciais e bombásticas revelações, a história ganha um ritmo mais aprazível, embora não menos frenético. Isso porque, a partir de um determinado ponto (não sei bem qual), a concentração no texto torna-se absolutamente natural. Mentiras viram verdades, personagens se transformam, sentidos se alteram. Tudo parece moldado como uma perfeita armadilha para prender você na doideira de José Nunes e seus personagens.

Em dois dias absorvi e processei o conteúdo de “Tumulto em noites de Blackout”. Bem que eu poderia ter lido em umas duas horas e meia ou três, porém, quando gosto de um livro e vejo as páginas acabando, sou forçada a parar e deixar pra depois.

Mesmo assim, só consegui prorrogar o final mais 24 horas. Demorar mais teria sido como ver um filme em slow motion. E é claramente de filme o ritmo da narrativa. A gente não percebe mais que está lendo, porque as páginas contêm cenas e não dá pra dizer se você é leitor ou expectador.

Mas o que tudo isso tem a ver com o que eu falei no início, sobre ser amador? É que, às vezes, o profissionalismo endurece o texto, burocratiza a escrita, faz do escritor um vendedor e do leitor um cliente.

O texto de quem ama tem imperfeições, lacunas, incongruências. E isso o torna humano, real e verdadeiro, como o próprio leitor, que, ao se identificar, também se apaixona. Por isso, desejo que esse autor faça muito sucesso, ganhe muito dinheiro, mas continue muito, muito amador. Seus leitores certamente vão corresponder.

Gisela Cesario