Friday, June 02, 2006

O intocável - Jonh Banville

Sobre o quê: Victor Maskell era um homem respeitado na Inglaterra, tinha até um título de cavaleiro das artes, concedido pela rainha. Ele perde tudo isso quando sua identidade de espião é revelada. Durante mais de 20 anos, Victor levou uma vida dupla, de agente russo e homossexual. Publicamente humilhado, ele resolve nos contar suas memórias.

Crítica: Empatia não se dá só entre pessoas. Cada vez acredito mais que exista essa força, essa troca de energias também entre pessoas e objetos, mais especificamente os livros. Isso deve explicar porque o meu fascínio inicial por esse livro, O intocável. Porém, cada vez que constatava sobre o quê era a história, desistia de ler. Imaginei que fosse um relato político, chatíssimo. Finalmente, decidi que ia tentar de qualquer jeito. E mais uma vez vi que nossa intuição sabe muito mais do que a razão.
A vida de Victor Maskell tem muitos ingredientes para ser fascinante. Um irlandês extremamente sensível e inteligente consegue ocupar altos cargos em meios fechados da Inglaterra, trabalhando com arte, com história da arte e, claro, com espiões russos. Esse irlandês também gosta de homens, não de um modo caricático ou politicamente correto ( acho que andaram inventando um modo politicamente correto de ser homossexual, já repararam?), mas ele gosta de um modo natural, como você gosta do quer que você goste. Ele tem relações promíscuas, tira vidas inocentes ou não com atos de espionagem, faz enfim, muitas coisas condenáveis, mas é impossível não se apaixonar por esse irlandês, inglês, russo, que tem tantas faces que parece até brasileiro.
Não sei se é o momento de usar a palavra amoral, a realidade, vista sem filtros cor de rosa também parece bem amoral. Guerra e miséria não são menos indecentes que muitos atos comumente condenados.
Mas, apesar de jogar nas duas (com trocadilho, por favor, o livro é muito bem humorado), nosso personagem demonstra uma incrível linearidade de caráter. É, ao mesmo tempo, um marxista e um monarquista, um real cavaleiro inglês e um leviano espião russo, um marido atormentado e um promíscuo inveterado.E tudo isso sem deixar de ser sempre o mesmo: apaixonado, emotivo, introspectivo, sábio, fiel àquilo que vale a pena ser fiel, segundo ele mesmo.
A guerra, quase ia esquecendo, a segunda guerra está lá, tudo se passa em tempos de guerra, não há maior contradição que matar pela paz. Só que esse não é um livro sobre guerra, nem sobre contradições, porque tudo isso é muito natural. Esse seja talvez um livro sobre filosofia, sobre o estoicismo, que, conforme eu aprendi com o autor, é o seguinte: uma corrente que acredita que o mundo nunca progride, porque o equilíbrio entre o bem e o mal permanece constante e os fatos podem diferir um pouco, mas sempre se repetem. Quem esperaria aprender isso num livro de espionagem?
Assim, John Banville desequilibra um pouco esse mundo estóico, surpreende com um texto macio, leve, capaz de nos fazer flanar sobre as matanças de uma bomba. E, na balança final, com mais peso que todas as atitudes politicamente corretas, está a arte do personagem, o amor pela pintura. Com mais peso que todos os assuntos do livro, está a arte do autor, essa habilidade e essa paixão na hora de ordenar as palavras, aquilo que nos confirma amantes da boa literatura.

Gisela Cesario

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