Tuesday, November 23, 2010

No buraco – Tony Belloto

Sobre o quê: Um roqueiro fracassado está literal e metaforicamente no buraco, sem dinheiro e enterrado na areia da praia de Ipanema. De lá, ele nos narra seus piores e melhores dias de fama enquanto vive uma perigosa história de amor com uma chinesa possivelmente mafiosa.
Crítica: Em primeiríssimo lugar, antes de mais tudo preciso dizer que tem algo sobre a voz do Belloto na orelha do livro, o próprio autor deu entrevista no lançamento dizendo que encontrou sua voz, a primeira e única crítica que li dizia a mesma coisa: a voz do autor...Peraí, cara, esse negócio de ler um livro e ouvir vozes é coisa de Chico Xavier.

Pois é, o Tony Belloto é guitarrista e escritor, não necessariamente nessa ordem, e ninguém está duvidando disso. Isso de acreditar que existe a voz do autor, aquela que só é achada após um árduo trabalho literário é papo de escritor invejoso, crítico invejoso, jornalista invejoso ou ainda professor de português invejoso. Não há como chamar de preconceito com músico o que não passa de inveja. Aquele sentimento feio, sujo e malvadinho que só quer destruir o trabalho dos outros. Que a inveja exista, não me surpreende, me surpreendia pensar que um autor como Tony Belloto cairia nessa.

Devo ter alguma outra resenha dele, é um caso óbvio de talento, quem não acredita que um guitarrista pode também e muito bem escrever que vá ouvir a voz do tempo ou então um disco dos titãs. Me revoltou esse burburinho de vozes sobre o Tony Belloto ter ou não encontrado sua voz, também fiquei incomodada vendo o autor falar sobre a opinião dos outros escritores, como se ele estivesse fazendo um teste pra pertencer a uma confraria secreta.

Alguém com a capacidade narrativa dele nunca, jamais, em tempo algum deveria se preocupar com esse tipo de idiotice. Por isso, foi com um pouco de revolta que comecei a ler no buraco, esperando o autor escorregar na casca de banana dos críticos. Há diversas referências sobre escrever no livro e também sobre tocar, como se fosse finalmente o encontro de dois mundos.

Isso é meio irritante, porque o mundo é um só e as pessoas não estão carimbadas com suas profissões. Não era só do Raul Seixas o direito de ser uma metamorfose ambulante. E ninguém tem nada com isso. Passada a irritação e torcendo veementemente que o autor esqueça essa história de voz, a outra história, aquela que Tony conta No buraco só não surpreende porque ele já tinha surpreendido antes no primeiro livro. E essa é exatamente como as outras histórias que ele já escreveu: engraçada, verossímil, imprevisível e perfeita.

Não se engane pensando que não é um suspense, não se engane pensando que não é um deboche, não se engane, como eu, pensando que o Tony Belloto está ouvindo vozes demais. Tem piada, sacanagem, mistério, reflexão, amor, ódio, saudade, arrependimento, vício, alegria e, claro, tem surpresa também. Só pra surpreender quem achou que ia ouvir vozes. Está tudo lá “No Buraco”, no bom sentido..., do Tony Belloto.
Gisela Cesario

Monday, November 01, 2010

Livros de outubro: O vendedor de passados – Agualusa. O mistério das cabeças degoladas – Frei Beto.

O vendedor de Passados – Imagino o porquê existem tantas resenhas a respeito desse livro enquanto estou aqui, escrevendo mais meia, porque esse parágrafo não pode ser chamado resenha inteira. Pontos a destacar: linguagem poética, português angolano, narrador animal. Ë isso mesmo, o livro é narrado por uma lagartixa, ou osga, como deve se dizer por lá. Gostaria tanto de um glossário de português de lá pra português de cá, mas tudo bem. A obra é um delírio, com cores vivas, bonitas, passado num canto do mundo que parece até a Bahia de Jorge Amado, um lugar onde o tempo passa diferente, as osgas falam, os sonhos se confundem com a realidade e mentira contada diversas vezes acaba por se tornar verdade.

O mistério das cabeças degoladas- Frei Beto – Tente encaixar um quadrado perfeito num buraco perfeitamente redondo e você verá que nenhum dos dois tem nada de errado, eles simplesmente não se encaixam. Também não há nada de errado com a narrativa de Frei Betto, a história é verossímil, interessante, o texto tem a mistura de erudição e lirismo nas devidas doses . Porém a minha expectativa (só posso falar por mim) era redonda e o livro termina em quadrado. Tento explicar melhor: o nome frei Beto e a palavra suspense na mesma orelha de livro despertam uma esperança que não se satisfaz com o mistério das cabeças degoladas, falta algo ou talvez sobre. O autor nos sugere desvios para o mistério, como o assunto das crianças de rua ou uma possível história de amor, mas esses desvios são ruas sem saída, só nos resta voltar pro mistério depois de dar com a cara no muro. Acontece que, quando voltamos, estamos menos tensos e curiosos do que deveríamos, pois o autor mesmo nos distraiu. Um suspense deve ser inteiro pra ser perfeito, e inteiro é aquele em que tudo que se menciona na história se relaciona com o que se está desvendando. Não acho que isso seja fácil de fazer e se eu mesma soubesse como se faz não estaria aqui escrevendo essa mini-resenha. Porém era isso que eu esperava: perfeição. O mistério das cabeças degoladas é apenas humano, não é divino como seu autor.

Gisela Cesario