Thursday, August 24, 2006

Amanhã numa boa - Faiza Guène

Sobre o quê – O diário de uma adolescente marroquina que vive com a mãe num bairro pobre de Paris. Os protestos políticos com o tema da imigração são apenas o cenário desse relato que fala do cotidiano da menina, com idas a escola, supermercado e festas.

Crítica – Quando eu era criança, achava o máximo alguém ter lido o diário de Anne Frank, mais máximo ainda era ser a Anne Frank, escrever um relato pessoal da Guerra e fazer com que a sua visão pessoal interessasse a alguém. Acho que existem duas explicações para isso: a primeira é que algumas pessoas ficam tão obcecadas com o assunto que querem saber mais do que o que está no noticiário e em todos os editorais do mundo. A segunda é que algumas pessoas não acreditam no noticiário e querem ouvir ou ler o depoimento de alguém que não está sendo pago pra falar.

Como não me encaixo em nenhum dos dois grupos, fiquei meio em dúvida se estava diante de outra anne frank e se valia a pena ler “amanhã, numa boa”. Fiz o meu teste de ler as primeiras páginas e Faiza passou com louvor. É um texto gostoso e leve. Se ela leva a gente a uma periferia na França, parece que estamos indo de bicicleta num dia de sol ameno e sentindo uma brisa fresca no rosto. Achei também que não faria mal a minha ignorância saber um pouco sobre a realidade desses imigrantes.

Posso garantir que a minha ignorância só melhorou um pouquinho, em compensação meu humor melhorou muito.

Eu tinha esquecido que o mundo de uma adolescente é tudo menos o mundo real. A gente vive a vida da TV, a vida do vizinho, do sonho, das músicas que tocam no rádio, tudo menos a realidade. Se alguém me perguntar o que eu fazia no plano collor, não terei nenhuma recordação profundamente política, provavelmente vou me lembrar que faltei à aula e fui ao shopping gastar o que sobrou da poupança do meu pai.

Foi mais ou menos isso que a adolescente do livro fez durante os fervorosos acontecimentos parisienses, não foi ao shopping, mas permaneceu do impenetrável e encantado universo no qual só os menores habitam. Só de vez em quando a realidade entra por aquele buraquinho entre o primeiro beijo e a novela. Quando isso acontece, a autora nos mostra um olhar puro, apolítico, de alguém tão imparcial que não toma partido nem de si mesma.

Não sei se isso se chama inocência, magia ou adolescência. Mas nesse caso, podemos chamar de ótima literatura. Ou, como diria a personagem, literatura numa boa.

Gisela Cesario

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